Sertão do Macacu: história e formação da região serrana fluminense
Sertão do Macacu, “Pouco Conhecido, Montuoso e Emboscado”, obra que o historiador Vinícius Maia Cardoso nos presenteia para conhecermos os primórdios da ocupação da região serrana na capitania fluminense. Atualmente compreende os municípios de Bom Jardim, Cachoeiras de Macacu, Cantagalo, Carmo, Cordeiro, Duas Barras, Macuco, Nova Friburgo, Santa Maria Madalena, São José do Vale do Rio Preto, São Sebastião do Alto, Sapucaia, Sumidouro, Teresópolis e Trajano de Moraes. Normalmente faz-se a associação desta ocupação a Manuel Henriques, o famoso Mão de Luva. No entanto, como já existem algumas obras sobre Manuel Henriques, como a recente publicação “Mão de Luva e as Novas Minas de Cantagalo” organizado por Sheila de Castro Faria e Anderson de Oliveira, o historiador procurou outro enfoque, ditado notadamente pelas fontes.
Vinícius Cardoso abre espaço para outros atores históricos numa rede de relacionamentos que envolve indígenas aldeados e “selvagens”, vice-reis, superintendentes, capitães-mores, clérigos, mineradores, lavradores, tropeiros, negociantes, ferreiros, carpinteiros, marceneiros, vendeiros, oleiros, arreadores, práticos do sertão, cartógrafos, escravizados, negros libertos, brancos pobres, mulatos, pardos, mulheres, entre outros. Até mesmo os rios ganham importância como o Macacu, Guapiaçu, Caceribu, Rio Grande dos Índios Macabu, Rio Macaé, Paraíba do Sul, entre outros. Com relação a presença indígena, Cardoso mapeou os aldeamentos e por isto conhecemos as etnias que circulavam neste sertão como os Puri, Coroado, Orosó, Xopotó, Boroco, Guarulhos, Tamasari, Macabu e Toby. Alguns eram nômades não aldeados que se deslocavam na divisa do sertão com Minas Gerais e outros vinham das aldeias de Ipuca, do aldeamento São José d’El Rei (Vila de Macacu) e do litoral, na região dos lagos.
Esta instigante história tem início quando em 21 de maio de 1763, Maurício José Portugal, morador nas Cachoeiras de Macacu, informou a existência de ouro no Sertão do Macacu. Teve ciência através de um indígena que lhe trouxera amostras de pepitas de ouro. Solicitou licença para explorar as jazidas auríferas e foi autorizado por agentes da administração colonial, destoando das ordens do Rei D. João V, que proibia minerar em novos descobrimentos. O vice-rei Conde da Cunha cancelou a autorização de Maurício Portugal e mandou “arrasar” todas as fazendas no Sertão do Macacu obrigando os que estavam afazendados a se retirarem. Iniciou-se uma campanha militar para prender os contrabandistas e ocupar a região.
Além de Mão de Luva, outros contrabandistas foram perseguidos pelas tropas militares, a exemplo de Domingos de Souza Castilhos e os irmãos Joaquim e Dionísio Lopes. A conquista do Sertão do Macacu tem início em 1763, quando era vice-rei Dom Antônio Álvares da Cunha, o Conde da Cunha. Sucederam-lhe os vice-reis Conde Azambuja, Marquês de Lavradio e a fase de ocupação do sertão ocorreu na gestão do vice-rei Dom Luís de Vasconcelos e Souza.
A vila de Santo Antônio de Sá (hoje Itaboraí e municípios próximos), criada em 05 de agosto de 1697, tem grande importância na conquista do Sertão do Macacu. Esta vila e suas freguesias eram produtoras de farinha de mandioca, arroz, feijão e milho que abasteciam as tropas na conquista do sertão. O caminho da subida da Serra dos Órgãos, que dava acesso ao sertão estava abandonado desde que o Conde da Cunha mandara arrasar as fazendas. O tenente-coronel Manoel Soares Coimbra mandou abrir picada na mata fechada para alcançar a Fazenda do Cônego Antônio Lopes Xavier fazendo uso de um “prático do sertão”, o padre Francisco da Silva Pereira. O clérigo de 68 anos, quando jovem, andara por aquela região até o Rio Paraíba, reduzindo indígenas em aldeamentos. Ele sabia onde estavam estabelecidos os contrabandistas.
Na medida em que a tropa avançava foram sendo estabelecidos registros, guardas, paióis e ranchos. Incorporavam à tropa indígenas assimilados para combater os “selvagens”. Não parecia ser difícil cooptá-los. Em carta do tenente-coronel Manoel Soares Coimbra ao vice-rei Luís de Vasconcelos e Sousa, este reportou que um indígena lhe informara que sua aldeia recebia “mau tratamento e violências” da gente das Minas, e que “ocupados do temor, e receio” andavam vagando pelo sertão vivendo de frutas e caça. Eram mimoseados pelo tenente-coronel com machados, facões, enxadas, miçangas, chapéus, canivetes, facas de cabo, tesourinhas, barretes, baetas, fitas, anéis, brincos e aguardente.
Presos os contrabandistas, no arraial de Cantagalo, ponto extremo da ocupação do Sertão do Macacu, o vice-rei estabeleceu uma estrutura administrativa para o controle da mineração e pagamento de impostos. Toda pessoa que pretendesse minerar deveria apresentar requerimento na Secretaria de Estado para entrar no concurso dos pretendentes às terras minerais. Em Cantagalo, o vice-rei concedeu datas de terras para a exploração aurífera e igualmente sesmarias aos interessados em cultivar alimentos como mandioca (para a farinha), milho, feijão, arroz e na criação de porcos. Apenas os que tivessem condições financeiras de explorar o garimpo ou se afazendar eram beneficiados com terras.
Nas Novas Minas do Sertão de Cantagalo, além da cobrança do quinto do ouro, os registros (que seriam os pedágios de hoje) constituíam outra fonte de renda. Foram instalados desde a vila de Santo Antônio de Sá, cobrando taxas de passagem dos tropeiros sobre a circulação de mercadorias e escravizados. No entanto, a despesa com a ocupação era maior que a receita e paulatinamente a estrutura administrativa do governo colonial foi sendo desmontada. Cantagalo, primeiro município formado no sertão terá um colossal progresso, sendo durante décadas um dos mais importantes produtores de café do Vale do Paraíba. Mas o livro termina nos primórdios da ocupação, pois o recorte temporal é no período de 1786 a 1790.
Vinícius Maia Cardoso utilizando as fontes “Correspondências e documentos relativos às Novas Minas de Macacu”, da Biblioteca Nacional, deixa uma inestimável contribuição para a historiografia do Sertão do Macacu. Soube explorar tão bem a documentação, que nos presenteia com uma deliciosa relação de ervas e remédios que nossos antepassados utilizavam para cura de enfermidades, como raiz da aipo, alcasuz, cascas de romãs, bazalicão, raiz de funcho, era terrestre, flor de sabugo, maçãs de ciprestes, aguardente de cana, peitoral, rezina de batata, emplasto emoliente, mercúrio doce, rolos de cera, aquilão gomado, óleo de amêndoas doces, vinagre, açúcar, etc. Leitura indispensável, o livro pode ser adquirido pela Paco editorial ou pela Amazon.