Monte da Santa Cruz e Morro da Santa Cruz em Nova Friburgo
No ano 1886, a Companhia de Jesus instalou em Nova Friburgo, cidade serrana fluminense, um internato para meninos recebendo o nome de Colégio Anchieta. Naquela época, os médicos higienistas recomendavam aos colégios-internato passeios longos e a pé, ao menos duas vezes por semana, em virtude deste regime escolar. Além da prática de exercícios físicos e jogos, os padres Jesuítas promoviam longas caminhadas em sítios e lugares pitorescos reunindo os alunos das três divisões, maiores, médios e pequenos. Os passeios eram na chácara dos Braga (Chácara do Paraíso), na fazenda Gavião em Cantagalo e na cascata do conde D’Eu em Sumidouro. Eram os denominados grandes passeios em contraposição aos de percurso mais curto como no alto da serra, na Caixa d´Água (represa da cidade) e no Jockey Club em Conselheiro Paulino, que as divisões faziam separadamente. Em todos havia longas marchas.
A subida ao monte no terreno do próprio colégio era igualmente um destes pequenos passeios. No início foi uma verdadeira aventura o acesso ao monte pois havia pela trilha cipós entrelaçados nas árvores que dificultavam a passagem, profundos valos atravessados por toscas pinguelas e a presença de tatus, jaguatiricas e gatos do mato que assustavam a meninada. Com o tempo, o acesso foi sendo melhorado tornando o passeio mais acelerado. Uma cruz de madeira foi encravada no platô do monte batizada com a denominação de Monte da Santa Cruz, que do alto sobranceira abençoava o colégio.
Em razão da importância que tomou este passeio, na festa do Sagrado Coração de Jesus, orago de divisão dos alunos maiores, o talentoso Padre Prospere fez uma nova escultura da cruz, abençoada em 18 de junho de 1909. Neste dia, subiram em romaria em direção ao monte aproximadamente 400 estudantes das três divisões. Parecia uma enorme serpente acompanhando as voltas do caminho. A banda colegial acompanhou o préstito que desfilava ao som harmonioso de uma marcha enquanto percorria o planalto. Chegando ao topo foi feito por um aluno um panegírico do Sagrado Coração de Jesus e em seguida a benção da cruz. Ao anoitecer, do pátio do recreio, os estudantes puderam apreciar a cruz iluminada por fogos de artifício estrugidos no monte pelos irmãos coadjutores, voluntários religiosos que auxiliavam os Jesuítas no educandário. O Monte da Santa Cruz era também conhecido como Cruzeiro.
A subida a cruz era sempre uma algazarra que os alunos percorriam ao som de cornetas. O panorama que se goza do alto é magnífico e ali petiscavam alguma merenda. Porém, o almoço do convescote era servido abaixo em um platô, um pitoresco local à sombra de eucaliptos e jaqueiras. Em um destes passeios almoçaram arroz, tutu, leitoa, bife, farofa, galinha, tomaram cerveja fabricada no próprio colégio e como sobremesa saborearam doces, queijo e laranjas. Esta trilha até o monte foi disponibilizada pelos padres Jesuítas aos excursionistas da cidade. Entre os mais antigos friburguenses existe a crença de que esta cruz foi colocada no platô do monte como indicação da sepultura de um padre, que teria morrido no local picado por uma cobra. Não corresponde a realidade, mas o boato tem razão de ser. A partir de 1923, o Colégio Anchieta extinguiu o internato e passou a ser Casa de Formação de padres Jesuítas. Apenas em 1942 voltou a aceitar novamente estudantes leigos, mas tão-somente em regime de externato. No entanto, permaneceram no colégio durante muitos anos escolásticos, noviços, juniores e filósofos até completarem a sua formação. Em 1949 um estudante de filosofia, irmão Amarílio Ceccon, ao descer do monte foi mordido por uma cobra e quase veio a falecer. Isto pode ter gerado o tal crença.
Desde que se instalaram em Nova Friburgo, os padres Jesuítas viviam a procura de novas locações para os passeios de seus alunos. Alguns padres se aventuravam pelos arrabaldes da cidade em busca de novos sítios para os passeios. Um destes aventureiros foi o padre Henri Rubillon, que descobriu um interessante local para uma trilha. Um dos dois imponentes morros graníticos próximos ao colégio foi objeto de curiosidade do Jesuíta. Em um deles havia duas imensas pedras no cume, que dava inclusive nome ao arraial na sua proximidade, hoje bairro das Duas Pedras. A propósito, estes dois morros deram nome a fazenda do Morro Queimado, uma das sesmarias que formaram o município de Nova Friburgo. Os morros têm a alcunha de queimados por serem formados por rochas graníticas acinzentadas. Mas voltemos ao padre Rubillon. Foi exatamente o cume de uma destas imensas pedras, no topo de um dos morros, que Rubillon encontrou nova locação. Como era prefeito (responsável) da divisão dos maiores, levou a sua turma.
Em setembro de 1908, partiram para a caminhada alegres com a novidade que o padre prefeito anunciara. A rapaziada julgava ser uma simples excursão próxima ao colégio, pois foi de lá que partiram. Todavia, quando tomaram ciência do cume que deveriam alcançar e avaliaram a extensão que deveriam percorrer, o desânimo apossou-se de uma parte deles que julgaram ser incapazes de resistir à fadiga. Porém, sempre estimulados por Rubillon prosseguiram ofegantes pela trilha espinhosa recentemente aberta. A subida foi fértil em quedas, mas lá iam os rapazes resolutos para cair mais adiante completamente esfalfados com a aventura.
Depois de muito esforço finalmente alcançaram o cume de uma das pedras onde se refestelaram indolentemente. A seguir o cansaço cedeu lugar à admiração. Aos seus pés desenrolava-se um formoso panorama. Abaixo desenrolava-se a cidade de Nova Friburgo destacando-se o vale viridente que lhe forma o berço e apenas ligeira bruma lhe velada os contornos. Compraziam-se em contemplar as casas minúsculas, as ruas estreitas e o rio Bengalas que serpenteava pelo vale. As duas grandes pedras são verdadeira obra de arte da natureza. A pedra maior ao lado da menor, em configuração de meia esfera, forma uma espécie de gruta. Maravilhados com a vista prorromperam em vivas ao Padre Rubillon e cantaram o hino nacional e a Marseillaise, em homenagem ao padre francês. Esta passagem está descrita no periódico Aurora Colegial, de 16 de setembro de 1908, artigo “Ascensão a um pico.”
Com o tempo, para facilitar o acesso ao cume do morro foi melhorada a trilha aberta pelo Padre Rubillon, considerado no colégio como o mais “estrênuo paladino” deste passeio. Foi colocada pelos irmãos coadjutores, no cume da pedra maior, uma cruz de madeira de 5m de altura e abençoada com o nome de Morro da Santa Cruz. Passou a ser desde então um dos passeios prediletos dos estudantes, que levavam 4 horas para alcançar o cume. Esta trilha foi utilizada pelo Centro Excursionista Friburguense, criado em 20 de julho de 1935. Localizei no acervo do Espaço Arp fotos de funcionários da Rendas Arp no cume do Morro da Santa Cruz. Conforme demonstram as imagens do fotógrafo Pedro Bessa a cruz não existe mais.
Voltando ao monte nas imediações do colégio, há muitas décadas os friburguenses se referem a ele como “morro da cruz”. Em 1956, na celebração dos 400 anos do falecimento do Santo Inácio de Loyola, fundador da Companhia de Jesus, os filósofos e alunos do curso clássico levaram até o monte em lombo de burro ferro, cimento e areia edificando uma nova cruz em substituição a de madeira. Ela foi reinaugurada em 31 de julho daquele ano, data da morte de Santo Inácio. Como a cruz fora derrubada por vândalos na década de oitenta, a direção do Anchieta aproveitou para substituí-la por uma mais resistente, de aço. O prof. Hamilton Werneck, coordenador acadêmico do Anchieta naquela época esteve envolvido no processo de repor a cruz juntamente com o senhor Manoel Ferreira. A TV Serramar, afiliada da Globo, instalada em Nova Friburgo em 01 de maio de 1990, custeou a colocação da cruz. Segundo o prof. Hamilton, na ocasião havia críticas e resistência de alguns friburguenses na colocação de uma torre desta emissora na Pedra do Imperador. Colaborar com a instalação da cruz no colégio usando o helicóptero da emissora foi um gesto simbólico que conseguiu aplacar as críticas contra a torre.
A trilha do Morro da Santa Cruz caiu no esquecimento, até mesmo pelo Centro Excursionista. Mas a trilha do Monte da Santa Cruz, ou melhor, o morro da cruz, continua sendo utilizada pelos alunos do educandário. Inúmeras gerações subiram o morro da cruz do Anchieta, que traz sempre uma memória afetiva de quem percorreu esta trilha.