A origem da Praça do Canhão em Nova Friburgo
O Colégio Nova Friburgo, conhecido como Fundação era considerado um educandário de referência no Brasil, por adotar uma pedagogia progressista nos moldes da escola de Summerhill, na Inglaterra. Funcionou no período de 1950 a 1977, embora somente nos primeiros quinze anos tivesse uma estrutura pedagógica que se assemelhava ao educandário britânico. Com exceção de alguns bolsistas, majoritariamente o corpo discente era formado por internos de classe alta, originários de diversos estados do país. Localizado numa colina no Parque da Cascata, no momento o belíssimo prédio e instalações não estão sendo usadas pela Fundação Getúlio Vargas, proprietária do imóvel. Existe na sua área externa, curiosamente, um canhão possivelmente do século 16. É sobre este artefato de guerra que gostaria de me ater.
O que faz este canhão do período da colônia em Nova Friburgo, município fluminense criado pouco antes do Primeiro Reinado? Carlos Geraldo de Barros Meyer, aluno interno do Colégio Nova Friburgo no período de 1952 a 1956 é quem vai esclarecer o que faz este artefato de guerra na Serra dos Órgãos. No ano de 1953, alunos durante o recreio no pátio do colégio ficaram estupefatos quando viram seus colegas chegarem com um canhão na carroceria de um caminhão. Eles vinham de Cabo Frio, um dos locais onde geralmente os professores levavam os alunos para atividade extraclasse. Sob o olhar incrédulo de todos, o canhão fora retirado do Forte São Matheus, em Cabo Frio.
Tudo começou quando um grupo de 20 escoteiros na faixa dos 12 anos de idade portando facas, cantis, varas de pesca e arpões de bambu, feitos nas aulas de trabalhos manuais deixaram as instalações do colégio. Era uma madrugada fria de sexta-feira do mês de junho. Foram de caminhão em direção a Cabo Frio acompanhados pelo professor de educação física, Romeu Lago Guedes. Os alunos viajaram na carroceria do veículo, sentados sobre colchões de ginástica junto a panelas, alimentos e uma barraca. De acordo com Meyer “Ao cruzar a cidade de Nova Friburgo, demos vários gritos de guerra, vários aleguche e cantamos, com um início bem suave e progressivamente cada vez mais alto, pode dormir, pode sossegar, que a nossa intenção, não é de acordar.”
Chegando ao Forte São Matheus armaram a barraca que acomodava a todos e que tinha sido usada na Segunda Guerra Mundial pela Força Expedicionária Brasileira. O professor Guedes fora ex-combatente. Na parte interna da barraca havia inúmeras estampas de uma cobra fumando, símbolo da FEB, assim como mensagens de soldados, agradecimentos e medalhas de santos fixadas por alfinetes. O Forte São Matheus naquela ocasião era pouco frequentado, com vasta vegetação, pontuado apenas por alguns casebres de pescadores e ancoradouros rústicos.
Nos dois dias que se seguiram mergulharam, pescaram e jogaram futebol. No domingo, último dia do passeio, Carlos Meyer incitou o grupo sobre a possibilidade de levar um dos canhões abandonados na praia. Porém, impossível meninos do porte físico de 12 anos levantar uma artilharia tão pesada. Em inúmeras outras excursões a Cabo Frio outros grupos de alunos já haviam tentado. O motorista do caminhão ouvindo a discussão disse que poderia ajudar. Ele propôs a entrar com o caminhão na praia, amarrar correntes ao canhão e arrastá-lo. Entusiasmados escolheram um dos canhões.
Após algumas tentativas frustradas “Escolhemos um canhão já caído sobre as pedras junto ao forte, aquele mais próximo à areia da praia, o amarramos com a corrente e o puxamos com o caminhão. Ele rolou pelas pedras e caiu na água, a poucos metros da praia, mas quando afundou tocou na areia e a tensão na corrente foi muito grande, partindo-a. A única solução para continuarmos nossa empreitada foi rolar o canhão, usando o cabo da enxada, as varas de pesca e uma alavanca…”, conforme Meyer. Tal expediente foi feito sem grande esforço e o canhão rolou até o caminhão. A segunda etapa era colocar a peça de artilharia em cima da carroceria do caminhão.
Ainda conforme Meyer “Chegamos ao ponto crítico da empreitada, como colocar um objeto tão pesado em cima da carroceria do caminhão? Outra vez o motorista veio em nosso socorro, pediu que cavássemos, a uma distância determinada do canhão, um buraco com uma rampa suave. Em seguida ele entraria no buraco com o caminhão em marcha à ré, fazendo com que a carroceria encostasse na areia. […] Depois, com alguma dificuldade, o caminhão saiu do buraco que havíamos cavado, e rapidamente levantamos nosso acampamento, arrumando todo o material, como na vinda.”
Retornando a Nova Friburgo foram ovacionados no pátio do colégio pelos colegas diante de tal façanha. O professor Amauri, diretor do colégio, empolgado prometeu construir um pedestal para colocar o canhão e uma placa alusiva à façanha. Cumpriu em parte a promessa e o canhão foi colocado em um bloco de granito e ficou consagrada como praça do canhão.
Com relação a localização da praça escreveu Meyer “Não sei dos motivos que levaram a direção do GNF a escolher tal local. Talvez em nossa homenagem, pois foi colocado diante de nossa sala de aulas, sala que ocupamos de 1952 a 1956, do Curso de Admissão até o último ano do Curso Ginasial, e de sua pequena varanda podíamos vê-lo diariamente, apontado para a cidade de Nova Friburgo, assente sobre um bloco de granito e com tal inclinação que, num hipotético tiro, sua bala faria uma trajetória que acertaria o Colégio Anchieta, nosso antigo rival.”
De acordo com Luiz Otavio Lins de Souza, presidente da Associação dos ex alunos do CNF, o Exército foi procurado por esta entidade com o propósito de passar a tutela e guarda do canhão para o Tiro de Guerra. A proposta foi autorizada pelo General Comandante da 1ªRM com o apoio da Prefeitura de Nova Friburgo. Como desdobramento desta iniciativa foi cogitada a transferência do Tiro de Guerra para as instalações do outrora Colégio Nova Friburgo.