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Memória do leito ferroviário: Cachoeiras de Macacu a Nova Friburgo

Uma das grandes revoluções do século 19 foi a introdução de uma tecnologia inglesa, o transporte ferroviário. No Brasil Império favoreceu enormemente os plantadores de café na porção oriental do Vale do Paraíba, que hoje compreende os municípios de Cantagalo, Nova Friburgo, Bom Jardim, Monnerat, Sumidouro, Carmo, Duas Barras, Santa Maria Madalena, São Sebastião do Alto, Cordeiro e Macuco.  

Este importante modal substituiu as tropas de mulas no transporte de mercadorias e promoveu a circulação de pessoas. Uma das ferrovias foi a Estrada de Ferro de Cantagalo, cuja concessão competiu ao português Antônio Clemente Pinto, primeiro barão de Nova Friburgo e sócios. Era a quarta estrada de ferro construída no Brasil. Este ramal ferroviário foi dividido em 3 seções. A primeira de Porto das Caixas até o arraial de Santana de Japuíba, no município de Cachoeiras de Macacu; a segunda de Cachoeiras de Macacu até Nova Friburgo; e a terceira deste município até Portela. Na última seção se concentravam as fazendas de café do barão de Nova Friburgo e outras importantes unidades de produção cafeicultora.

A primeira seção, de Porto das Caixas a Cachoeiras de Macacu foi inaugurada em 22 de abril de 1860. O Imperador D. Pedro II esteve presente na solenidade e próximo ao cais foi montado um grandioso arco do triunfo. Com o falecimento do barão de Nova Friburgo, a segunda seção, de Cachoeiras de Macacu até Nova Friburgo foi construída pelo seu filho Bernardo Clemente Pinto Sobrinho. A grande dificuldade era a serra da Boa Vista, que devido ao seu declive, apresentava uma das maiores rampas ferroviárias do mundo. Mas era preciso alcançar as fazendas de café em Cantagalo, principal objetivo dos investidores desta ferrovia. Foi utilizado o sistema Fell, inventado pelo inglês John Fell, que adaptava a locomotiva a trechos íngremes como a subida da serra.

Ponte ferrea da Estrada de Ferro de Cantagalo em Cachoeiras de Macacu. Acervo RFFSA
Ponte férrea da Estrada de Ferro de Cantagalo, em Cachoeiras de Macacu. Acervo RFFSA
Mesma ponte da foto acima em Cachoeiras de Macacu no bairro Pedreira. Acervo Gabriel Paulino e1726750090785
Mesma ponte da foto acima em Cachoeiras de Macacu no bairro Pedreira. Acervo Gabriel Paulino

Em 18 de dezembro de 1873 foi inaugurado o subtrecho ferroviário entre Cachoeiras de Macacu e Nova Friburgo, contando igualmente com a presença de D. Pedro II. Os subtrechos da última seção da Estrada de Ferro de Cantagalo foram executados de forma gradativa, para finalmente alcançar as fazendas dos barões do café.  Antes de subir a serra, o comboio fazia uma parada na estação de Cachoeiras de Macacu para trocar a locomotiva adaptada sistema Fell. O município de Cachoeiras de Macacu se desenvolveu por ser um centro de treinamento de ferroviários. Sua escola formava técnicos para a manutenção das locomotivas.

Realizada a troca da máquina o comboio seguia até a estação Boca do Mato, na raiz da serra onde era feita outra parada. Dali tinha início a subida e o comboio submergia na “boca” da belíssima Mata Atlântica. Fui até a estação Boca do Mato entrevistar Gabriel Paulino, coordenador local da Associação Ferroviária Melhoramentos do Brasil. Nesta estação existe um surpreendente acervo no qual já podemos conjeturar um futuro museu ferroviário. Os bancos dos vagões e da estação são algumas das preciosidades. De Boca do Mato o comboio passava pelas estações de Agente Maia, Pindorama, Pena, Registro, Theodoro de Oliveira, Mury até chegar ao centro de Nova Friburgo. Na estação de Theodoro de Oliveira ocorria novamente a mudança da locomotiva adaptada ao sistema usual e o trem descia o vale acompanhado não mais pelo rio Macacu, mas pelo rio Santo Antônio.

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Estação Boca do Mato, na raiz da serra. Acervo Gabriel Paulino
Estacao Boca do Mato nos dias de hoje. Acervo pessoal
Estação Boca do Mato nos dias de hoje. Acervo pessoal

Gabriel Paulino percorreu comigo alguns lugares de memória do leito ferroviário Cachoeira de Macacu-Nova Friburgo. Nossa primeira parada foi na estação Agente Maia. De acordo com Paulino era considerada uma PE, ou seja, Parada Estribo, onde o comboio poderia parar ou não.

Estacao Agente Maia no antigo leito ferroviario. Acervo pessoal
Estação Agente Maia no antigo leito ferroviário. Acervo pessoal

Seguimos de carro até o Posto do Pena onde existem apenas ruínas. Próximo a este posto permanece a casa de turma que abrigava os ferroviários, e que poderia também oferecer suporte, a exemplo do uso de um telégrafo. Descemos e retornamos até a localidade de Boca do Mato.

A casa de turma na serra de Cachoeiras de Macacu. Acervo pessoal
A casa de turma na serra de Cachoeiras de Macacu. Acervo pessoal

Passando pelo pedágio no sentido da subida da serra, descemos na primeira rua à direita seguindo até uma ponte desativada do antigo trecho rodoviário.  Duas pontes no subtrecho da serra foram construídas pelo alemão Hans Gaiser, fundador da fábrica Haga em Nova Friburgo. Como uma das pontes em Boca do Mato fica sobre o antigo leito ferroviário pode ser considerada um lugar de memória. A fuligem do trem deixou vestígio na sua estrutura. Os arcos da ponte estão quase completamente cobertos pela vegetação.

A fuligem do trem deixou vestigio na estrutura da ponte. Acervo AFMB.
A fuligem do trem deixou vestígio na estrutura da ponte. Acervo AFMB.
A ponte sob a qual passava o comboio. Acervo pessoal
A ponte sob a qual passava o comboio. Acervo pessoal
Belissima vista da ponte desativada da antiga rodovia sobre o leito ferroviario. Acervo pessoal
Belíssima vista da ponte desativada da antiga rodovia sobre o leito ferroviário. Acervo pessoal
Subida do comboio na serra. Acervo Gabriel Paulino
Subida do comboio na serra. Acervo Gabriel Paulino
Residencia da foto acima preservada proxima ao leito ferroviario. Acervo pessoal
Residência da foto acima preservada, próxima ao leito ferroviário. Acervo pessoal

Da ponte tem-se uma vista belíssima da Mata Atlântica e do majestoso rio Macacu que desce formando cachoeiras. A outra ponte construída por Hans Gaiser se localiza no trecho da serra onde o leito ferroviário apresentava maior declive.

Vista da ponte sobre o rio Macacu que desce a serra formando cachoeiras. Acervo pessoal
Vista da ponte sobre o rio Macacu que desce a serra formando cachoeiras. Acervo pessoal

Gabriel Paulino juntamente com outros pesquisadores deste subtrecho fizeram registros de outros lugares de memória do leito ferroviário, como a ponte em arco pela qual passava o comboio. Uma ponte de ferro foi igualmente localizada no meio da mata. No Posto do Registro localizaram as ruínas da fonte artificial que inacreditavelmente não demoliu. Este posto era uma parada para a locomotiva ser abastecida com água. Os passageiros aproveitavam para se refrescarem bebendo água desta fonte.

Ponte em arco maior proxima a Parada Pindorama ou D.Amelia. Acervo Gabriel Paulino
Ponte em arco maior, próxima a Parada Pindorama ou D.Amélia. Acervo Gabriel Paulino
Ponte de ferro localizada em uma das expedicoes. Acervo Gabriel Paulino
Ponte de ferro localizada em uma das expedições. Acervo Gabriel Paulino
Fonte artificial do Posto do Registro. Acervo RFFSA
Fonte artificial do Posto do Registro. Acervo RFFSA
Ruinas da fonte artificial do Posto do Registro. Acervo Gabriel Paulino
Ruínas da fonte artificial do Posto do Registro. Acervo Gabriel Paulino

Como apresentasse dificuldade financeira, o governo provincial encampou em janeiro de 1877 a Estrada de Ferro de Cantagalo. Já em agosto de 1887, a linha ferroviária passou a ser explorada pela sociedade brasileira Cia. Leopoldina. Onze anos depois, em novembro de 1898, a concessão do tráfego ferroviário passou a ser de capital inglês, a Leopoldina Railway Company. A empresa inglesa atuou no Brasil até 1949. Os subtrechos do tráfego ferroviário da Zona Serrana foram sendo paulatinamente extintos. O subtrecho entre Cachoeiras de Macacu e Nova Friburgo foi suprimido em 15 de julho de 1964.

Há quem se ocupe da história e da memória das antigas ferrovias, como é o caso da Trilhos do Rio. O Fórum de Debates online Trilhos do Rio está completando 15 anos. De acordo com o ferroviarista Eduardo Pereira Moreira, responsável pelo Departamento de Pesquisas e Projetos Trilhos do Rio, o Fórum é um espaço de diálogo e pesquisas do passado, presente e futuro dos transportes sobre trilhos no estado do Rio de Janeiro. Entre inúmeras atividades cuidam da Memória Ferroviária; da Arqueologia Ferroviária com registros das descobertas feitas durante as expedições, da catalogação de antigas locomotivas e vagões, etc. A Trilhos do Rio é igualmente um departamento da Associação Ferroviária Melhoramentos do Brasil.

Eduardo Moreira responsavel pelo Depto de Pesquisas e Projetos Trilhos do Rio. Acervo do pesquisador
Eduardo Moreira, responsável pelo Depto de Pesquisas e Projetos Trilhos do Rio. Acervo próprio

Além de fotos inventariam igualmente antigos cartões postais, bilhetes, tabelas dos horários dos embarques dos trens, artigos de jornais, mapas ferroviários, casos curiosos, entre outros. Nada escapa de registro para formação de seu precioso acervo. Acessando ao site trilhosdorio.com.br pode-se acompanhar os debates, obter informações e tornar-se membro. Está também no Instagram, Telegram, Youtube e Facebook.

Para os que amam trilhas históricas, a Ecoando Ecologia e Caminhadas oferece o serviço de guia para caminhada nos lugares de memória do subtrecho ferroviário Cachoeiras de MacacuNova Friburgo. Contato pelo Instagram @ecoando.caminhadas. Finalmente, um documentário sobre este subtrecho realizado pela TV ZOOM está disponível no Youtube.

Ecoando Caminhadas parada na caixa dagua do Posto do Registro construido em 1919. Acervo proprio
Ecoando Caminhadas, parada na caixa d’água do Posto do Registro construído em 1919. Acervo próprio
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