Por que Nova Friburgo é a Suíça Brasileira?
De acordo com a Agência Senado, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva sancionou a Lei 14.910 de 2024, que concede ao município de Nova Friburgo (RJ) o título de “Suíça Brasileira”. Ainda de acordo com esta agência, quando apresentou o projeto, o deputado federal Sóstenes Cavalcante (PL-RJ) argumentou que o título seria um incentivo ao turismo e também o reconhecimento da identidade cultural do município. Já para o senador Romário, a proposta se justifica pela fundação de uma colônia em Nova Friburgo, considerada o marco inicial da imigração suíça no Brasil. Ele também ressaltou que a legislação estadual já havia conferido título semelhante à cidade.
Qual é a origem da representação de Nova Friburgo como “Suíça Brasileira”? Existem algumas hipóteses. A denominação de “Suíça Brasileira”, que remonta ao século 19, pode estar associada ao fato de o município de Nova Friburgo ter sido criado em 03 de janeiro de 1820, para abrigar uma colônia de suíços. Outra hipótese é a semelhança do clima que pode ter corroborado para a representação de “Suíça Brasileira” desta cidade serrana. A hipótese que venho testando na análise dos discursos na imprensa é que a representação de Nova Friburgo como “Suíça Brasileira” vem da circunstância deste município ter sido uma estância de cura da tuberculose, assim como a Suíça, notadamente como Davos. Antes de estabelecermos uma conexão entre Davos e Nova Friburgo é preciso citar a doença que mais fazia vítimas no século 19, em todas as idades e classes sociais, a tuberculose.
Conhecida no passado como tísica, a tuberculose é uma das doenças mais antigas do mundo, transmitida pelas vias aéreas (espirro e tosse) e provocada em grande parte dos casos por um bacilo ou por outras espécies de agentes. A doença afeta principalmente os pulmões, mas pode atingir outros órgãos do corpo como os rins e os ossos. Era considerada praticamente uma sentença de morte. Em cada família era certo haver uma pessoa com tuberculose. A sua etiologia constituía uma incógnita para os médicos até que Robert Koch identificasse em 1882 o agente causal, que passou a ser conhecido como bacilo de Koch.
Morreram de tuberculose São Francisco de Assis, Manoel da Nóbrega, José de Anchieta, Chopin, Mozer, D. Pedro I e Castro Alves. Dostoiévski, tísico, transporta em toda sua obra “Crime e Castigo” o terror da doença, assim como Stendhal em “O Vermelho e o Negro” e Victor Hugo em “Os Miseráveis”. O cotidiano de pacientes com tuberculose em um sanatório nas montanhas inspirou Thomas Mann a escrever “A Montanha Mágica”, que ambienta o livro no Hotel Schatzalp, em Davos. O filme estrangeiro “À Sombra da Montanha”, de Danielle Jaeggi aborda igualmente a questão da tuberculose. No Brasil o livro “Floradas na Serra” de Dinah Silveira de Queiroz, também aborda o ambiente de um sanatório que deu origem ao filme homônimo ambientado em Campos do Jordão.
Retornemos a vinculação entre Davos e Nova Friburgo. Davos no século 19 era uma modesta aldeia da Suíça, no cantão dos Grisões. Foi nesta localidade que o médico alemão Alexander Spengler (1827-1901) realizou uma pesquisa empírica com seus pacientes tuberculosos. Prescrevia uma dieta fortificante com carne, ovos, consumo de até 3 litros de leite ao dia, caminhadas, massagens e duchas frias. A grande novidade foi que Splengler concluiu que o tratamento no clima de altitude, nos pré alpes suíços foi fundamental na convalescença desta doença. Em sua pesquisa observou que o tratamento deveria ser feito se possível no inverno, devido aos benefícios do ar frio e rarefeito das montanhas. O sucesso de seu tratamento se espalhou velozmente entre a comunidade científica do mundo inteiro.
Em 1868, Spengler estabeleceu o primeiro sanatório em Davos e quem nutria a esperança de ser curado e poderia pagar, se deslocava para esta aldeia nos pré alpes suíços. A partir da segunda metade do século 19, por toda a Europa foram surgindo inúmeros sanatórios particulares para tuberculosos ricos. Depois dos suíços e alemães, os russos eram a terceira maior clientela.
Os hospitais para tuberculosos, referidos como sanatórios, possuíam um regimento baseado na disciplina, sob pena de expulsão, ditando regras para todos os aspectos da vida diária. A dieta prescrita era saudável, seis refeições servidas entre 8:30h e 21h e com ingestão de leite três vezes ao dia. O repouso era intercalado com caminhadas. O fumo era proibido assim como álcool destilado, mas se admitia o consumo de vinho com moderação.
Logo, o tratamento em sanatórios no clima de altitude, com o ar frio e sobretudo seco passou a ser a recomendação médica para a tuberculose pulmonar. Acreditava-se que a rarefação do ar das montanhas obrigava os pulmões a uma ginástica metódica e salutar auxiliando na convalescença desta enfermidade. No Brasil havia inúmeros trabalhos acadêmicos sobre a climatoterapia a exemplo de “A influência dos climas sobre o desenvolvimento da tísica pulmonar e quais as condições higiênicas mais favoráveis ao tratamento desta moléstia”(1878), tese de doutoramento de José Tomás da Porciúncula; e “Da influência dos climas sobre o desenvolvimento e marcha da tísica pulmonar”(1881), tese de doutoramento de João Francisco Pereira. Até que a estreptomicina, primeiro antibiótico eficaz contra a tuberculose fosse descoberto pelo bioquímico americano Selman Abraham Waksman em 1944, os sanatórios seriam frequentados pelos tuberculosos abastados.
Na arquitetura dos sanatórios era fundamental que o prédio tivesse amplas varandas ao ar livre para o repouso dos pacientes, assim como sacadas nos aposentos privados para o descanso. Os sanatórios ofereciam também entretenimento e socialização. Para restaurar a moral tinham biblioteca, jogos de tabuleiro, cursos de artesanato e de rádio amador para ficar em apenas alguns exemplos. Os pacientes poderiam permanecer vários meses, ou mesmo anos, até a sua recuperação.
Em 1837, o Jornal do Commercio publicou o seguinte anúncio, “Faz-se ciente ao respeitável público na vila Nova de Friburgo, ou Morro Queimado, se formou um estabelecimento de hospedaria, para receber todas as pessoas que ali quiserem utilizar dos bons ares, restabelecer sua saúde…”. Nos parece que a experiência de Splengler das vantagens do clima de altitude chegou ao Brasil. O francês Guillaume Marius Salusse em 1839 solicitou a Câmara Municipal licença para abrir uma hospedaria em Nova Friburgo “para poder receber em sua casa particular, doentes que se venham curar”.
Poucos anos depois o alemão Friedrich Gustav Leuenroth, ex mercenário do Batalhão de Estrangeiros torna-se proprietário na vila serrana de uma “casa de banhos” na vilage de cima, depois conhecido como hotel Leuenroth. Tudo indica que oferecia em seu hotel o serviço de hidroterapia com aplicação de duchas frias. Na sessão de 27 de setembro de 1843 da Câmara Municipal de Nova Friburgo foi lida uma portaria do Governo Provincial determinando informar se tem se desenvolvido neste município moléstias contagiosas. Os vereadores responderam que nenhuma se tem desenvolvido devido ao seu bom clima. Tem início a notoriedade de Nova Friburgo como cidade salubre, ideal para a cura da tuberculose.
Mas foram os médicos Carlos Eboli e Fortunato Correia de Azevedo que realmente colocaram Nova Friburgo como referência nacional no tratamento da tuberculose. Abriram um estabelecimento hidroterápico na vila serrana com instalações congêneres aos sanatórios de Davos. Em primeiro de junho de 1871, a pacata vila apresentava um ar de festa com inauguração do Estabelecimento Sanitário Hidroterápico, também conhecido como Casa de Duchas e Casa de Banhos. Por todas as ruas havia bandeiras, galhardetes, arcos de flores, coretos com música e foguetes. A multidão afluía de todos os lugares, fazendeiros vindos de longe apeavam alegremente de suas cavalgaduras para assistir a tão falado advento. Houve a benção solene do estabelecimento e em seguida foi servido um fidalgo jantar. Anexo a Casa de Duchas havia o Hotel Central (hoje colégio N.S. das Dores), prédio em estilo neoclássico. Inspirado nos sanatórios da Suíça, no pátio interno ajardinado e com lagos, uma extensa varanda circundava o edifício onde os doentes passavam longas horas de repouso. Um soberbo parque com arvoredos completava o paisagismo.
No anúncio do Estabelecimento Hidroterápico é destacado que Nova Friburgo era um vale entre montanhas com excelente clima. O reclame se dirigia não só aos que precisavam da hidroterapia por moléstia, como também aos que desejassem se fortificar com o ar e as duchas higiênicas e de recreio. Muitas pessoas que buscaram a cura da tuberculose estabeleceram domicílio em Nova Friburgo, em razão da salubridade de seu clima. O coronel Galiano das Neves, de tradicional família mineira estudava medicina quando interrompeu os seus estudos em razão de uma tuberculose que contraiu. Dirigiu-se a Nova Friburgo e como o tratamento era longo lecionava latim e música no Colégio São Vicente de Paulo. Casou-se com uma friburguense e tornou-se um importante político local. O médico Manoel José Teixeira da Costa que veio tuberculoso para Nova Friburgo em busca de tratamento, fixou igualmente domicílio nesta cidade. Já convalescido escreveu a tese de doutorado “O clima da Nova Friburgo e sua influência benéfica no tratamento das afecções pulmonares”.
A linha férrea subindo a serra, inaugurada em 18 de dezembro de 1873, aumentou a vinda dos que quisessem se convalescer na salubre Nova Friburgo, por ser um transporte mais rápido e cômodo do que a viagem à cavalo. Conforme ata da Câmara Municipal de 14 de janeiro de 1870, o trem transpondo a serra da Boa Vista além dos doentes também “atrairia aos ricos” que quisessem se distrair no clima doce, suave e ameno, cuja reputação de Nova Friburgo já era tradicional. Em 1875, no Almanaque Laemmert havia a seguinte nota, “…Esta nova estrada de ferro, desde a sua inauguração, funcionando com regularidade, fornece condução cômoda todos os dias aos doentes que procuram restabelecer a sua saúde em um clima semelhante aos melhores da Europa.”
Os tuberculosos brasileiros abastados não precisariam mais se deslocar a Davos para o tratamento desta enfermidade. Havia um local bem mais próximo, Nova Friburgo, cujo clima e excelentes instalações para o tratamento se assemelhavam aos da Suíça. Nova Friburgo era a “Suíça Brasileira”. O articulista Carlos de Laet em um artigo publicado em 1889 no Almanak da Gazeta de Notícias, referindo-se ao estabelecimento hidroterápico escreveu que “tende a equiparar-se com os melhores do mesmo gênero na culta Europa.” Galdino Emiliano das Neves em maio de 1872 escreveu no Jornal do Commercio “começam já a afluir para ele [Estabelecimento Hidroterápico] muitos doentes vindos de diversos lugares encontrando ali sólidos elementos de cura porquanto seus fundadores e proprietários não se tem poupado a sacrifício algum a fim de igualá-lo aos melhores da Europa”.
Sobre o Estabelecimento Hidroterápico de Nova Friburgo, o Dr. Davino Frederico de Carvalho e Silva escreveu no Jornal do Commercio de janeiro de 1871, “…e lembrando aos doentes que sofrendo há muito tempo de certas e determinadas moléstias, e sendo por isso levados a recorrer a longas e dispendiosas viagens a Europa, a fim de procurar uma cura incerta, acharão alívio e cura de seus padecimentos na medicação hidroterápica…”. Por que buscar sanatórios dispendiosos na Suíça se havia em Nova Friburgo instalações valiosíssimas para tratamento médico, no qual o Imperador D. Pedro II, a esposa Teresa Cristina e a princesa Isabel fizeram uso? A salubridade do clima de Nova Friburgo fazia de todo o município um inigualável sanatório a céu aberto, escreveu o médico Galdino do Valle Filho. Ainda assim, pessoas como Manuel Bandeira, desde que descobriu ser tuberculoso se tratou nos sanatórios de Davos e Clavadel, na Suíça.
Discursos nos jornais oitocentistas fazem a associação entre Nova Friburgo e a Suíça. “…Friburgo, a modesta Suíça Brasileira, é incomparável pelas suas águas puras e cristalinas; (…) É repetir o que todos sabem há muito tempo, desde que existe Friburgo! É repetir que Deus quis que fosse Friburgo! A encantadora e divinal porção de terra brasileira que é a predileta do céu! (…) a beleza dessa terra e a excelência do seu clima vivificador(…) o benéfico clima das montanhas.” Este trecho foi extraído do periódico “O Friburguense”, 26 de abril de 1891. Outra referência a “Suíça Brasileira” veio de um artigo na Revista Ilustrada, de 1884. “Eu estou felizmente em Friburgo, livre dos micróbios e dos versos que infestam a rua do Ouvidor e adjacentes; e cousas tão extraordinárias se tem dado na bela Suíça”.
A primeira vez que Machado de Assis esteve em Nova Friburgo foi em 1878, para se tratar de uma estafa e de uma retinite. Em duas correspondências com o escritor José Veríssimo, que estava naquela ocasião em Nova Friburgo, Machado de Assis faz referência a sua convalescença na cidade serrana. A primeira carta data de 01 de dezembro de 1897. “Meu caro José Veríssimo(…) Estimei ler o que me diz dos bons efeitos de Nova Friburgo. A mim esse lugar para onde fui cadavérico há uns dezessete[dezenove]anos, e donde saí gordo, ce qu’on appelle gordo, há de sempre lembrar com saudades. Estou certo que lucrará muito, e todos os seus também, e invejo-lhes a temperatura…”
Já na segunda carta que data de 01 de fevereiro de 1901, escreveu “Meu caro J. Veríssimo. Creio que se lembra de mim lá em cima (…) Li com inveja as notícias que me dá daí e dos seus dias gloriosos.(…)Nova Friburgo é terra abençoada. Foi aí que, depois de longa moléstia me refiz das carnes perdidas e do ânimo abatido. (…) consegui engordar como nunca…” Tudo indica que a representação de Nova Friburgo como a “Suíça Brasileira” decorre do fato deste município e a Suíça terem sido estâncias de cura da tuberculose. A semelhança do clima pode ser outra hipótese e ter corroborado para esta representação. O acolhimento de colonos suíços é na minha opinião a hipótese menos provável, em razão de sua dispersão para outros municípios. Fica aberto o debate.