História das cervejas de Nova Friburgo: uma conexão com Munique
A cerveja também conhecida como o pão líquido, tem sua origem na Antiguidade sendo fabricada pelos egípcios bem como na Mesopotâmia. Era igualmente produzida na Idade Média nos mosteiros, mas evidentemente sua composição diferenciava em muito da cerveja que consumimos nos dias atuais. Em celebração ao bicentenário da imigração alemã em Nova Friburgo, resolvi produzir um documentário para a Zoom TV sobre as cervejas produzidas nesta cidade serrana desde o século 19. Em minhas pesquisas, tendo como fonte o periódico O Friburguense, descobri um espaço de sociabilidade para se beber cerveja que me chamou a atenção, uma “Biergarten”.
Albano Beauclair, mestre cervejeiro pela Escola de Cervejaria de Worms, na Alemanha, estabeleceu em 1893 em um sítio, à margem do rio Santo Antônio, uma “Biergarten”. Era avistada logo que se entrava de trem na vila serrana. Viajei até Munique, na Alemanha, para conhecer esta tradição que surgiu na Baviera. Munique é a capital do estado da Baviera e promove anualmente a Oktoberfest, uma festa para consumo de variados tipos de cervejas produzidas na circunscrição da cidade. A qualidade das cervejas nesta região deve-se muito a propriedade da água, que necessariamente deve ser extraída a 250 metros de profundidade, a “Münchner Brauwasser”, para que se obtenha alto nível de pureza deste produto.
Nova Friburgo além da salubridade de seu clima era conhecida pela qualidade de suas águas. Em razão disto o médico Carlos Eboli instalou o Instituto Sanitário Hidroterápico tanto pela abundância quanto pela qualidade da água de Nova Friburgo, utilizada no tratamento de diversas doenças. Na fonte do suspiro jorrava água de três bicas e se acreditava que o seu consumo dava robustez aos acometidos por moléstias, restaurando-lhes o vigor.
Cada região da Alemanha fabrica um tipo de cerveja podendo ser uma Helles, Altbier, Märzen, Kellerbier ou Pilsner, possuindo aproximadamente 5.000 marcas. As mais importantes são a Hofbräu, Augustiner, Hackerschorr, Löwenbräu, Paulaner e Franziskaner com origens entre 1328 e 1634, únicas que participam da Oktoberfest. A Weihenstephaner é a cervejaria e marca de cerveja mais antiga da Baviera e do mundo, fabricada pelos monges beneditinos desde os anos 800 e comercializada a partir do ano de 1040. Mas a mais famosa é a Hofbräu cuja cervejaria, a Hofbräuhaus é uma taberna do século 16 que pertence atualmente ao governo da Bavária.
Em Munique aprendi muito sobre as cervejarias. Cada uma delas adota uma marca de cerveja. A gastronomia para acompanhar o consumo delas são a carne de porco preparada de variadas formas, sendo a mais apreciada o “schweinshaxe”. São consumidas ainda com diversos tipos de salsichas, batata inglesa e o tradicional chucrute de repolho branco ou roxo. Quase todas as cervejarias servem uma bola de batata denominada de boulette de pomme de terre. Na realidade não tem gosto algum apesar da aparência ser muito boa. Nem eu e nem os brasileiros com quem tive contato apreciamos esta bola de batata, mas nota-se que é uma iguaria típica para se consumir com cerveja.
Nas cervejarias as mesas são extensas e divididas com estranhos. Pode-se estar sentado em uma delas e o garçom direcionar pessoas para compartilharem a nossa mesa. Tanto os atendentes homens quanto as mulheres vestem um traje típico nas cervejarias e é muito comum encontrar senhores muito idosos, sozinhos, alguns com traje típico, passando longas horas na cervejaria consumindo cerveja com moderação. Percebi algo interessante. As cervejarias são um espaço de sociabilidade masculino. Observei muitos grupos de homens se reunindo sem as namoradas e esposas para tomarem cerveja e colocar o papo em dia. As cervejarias também oferecem um espaço externo aos seus clientes, mas o ambiente interno é bem mais interessante.
As “Biergartens” são áreas externas com mesas imensas e bancos de madeira que ficam sob frondosas árvores. No local vende-se evidentemente cerveja e refeições cujo cardápio não difere das cervejarias. Os que tem um orçamento mais apertado consomem cerveja com o Pretzel, pão típico da Baviera. Segundo ouvi em Munique, os copos de cerveja tinham no passado uma tampa metálica para impedir que entrassem folhas que caíam das copas das árvores.
As melhores “Biergartens” em Munique são a “Englischer Garten” (Jardim Inglês), localizada dentro de um imenso parque e o da feira no centro da cidade, que funciona de segunda-feira a sábado. Nos espaços públicos como parques e feiras pode-se levar a refeição de casa, mas a cerveja deve obrigatoriamente ser adquirida nos quiosques locais. As cervejarias Hofbräuhaus e a Augustiner Keller também oferecem “Biergartens”, mas como disse antes, o seu espaço interno é bem mais atraente e animado.
Foi justamente o que encontrei em Nova Friburgo, a “Biergarten” de Albano Beauclair. Cabe aqui uma explicação sobre os Beauclair. Não obstante serem alemães herdaram do tataravô Jean Pierre Rouville de Beauclair, nascido em Paris, o nome de família francês. A cervejaria Beauclair adotava o sistema de Munique não só quanto ao maquinário, como no processo de fabricação produzindo a cerveja Friburgo Brau. Em 1861, o alemão Pedro Gehart solicitou à Câmara Municipal de Nova Friburgo licença para abertura de uma fábrica da cerveja. No ano de 1869 o imposto cobrado pela produção de vinho era de 10$000, enquanto a de cerveja era 16$000. Se havia imposto sobre a fabricação de cerveja, possivelmente Gehart levou o seu negócio adiante. No roteiro do documentário que produzirei para a ZOOM TV entrevistarei alguns proprietários de cervejas artesanais traçando uma linha do tempo das cervejas produzidas no passado em Nova Friburgo e uma conexão com Munique.
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