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Preconceito dificulta reintegração social de ex-detento em Cantagalo

Uma situação tomou conta dos grupos do Serra News nessa semana. Um egresso do sistema prisional que tenta a ressocialização está sofrendo ataques diversos de calúnia e falsas acusações de crime em Cantagalo (RJ). Ele saiu recentemente da prisão, após cumprir pena, e passa por um processo de reintegração social.

No WhatsApp, informações falsas foram propagadas, que o homem de 45 anos teria cometido novos crimes e até teria atacado uma menina, que estaria hospitalizada. O áudio de uma mulher imputa isso ao ex-preso. Trata-se de uma fake news! O Serra News conta com exclusividade toda a verdade sobre o caso.

Quem é o egresso do sistema prisional?

O homem é Reginaldo, de 45 anos, natural da cidade de Cantagalo (RJ). Ele é um ex-detento, que tenta a difícil reintegração social por meio do Centro de Atenção Psicossocial (CAPS) da cidade. Ele vem recebendo ajuda de profissionais qualificados e é assistido de perto diariamente, no entanto, enfrenta o preconceito, a desconfiança e dificuldades de um recomeço.

“Ele precisa de proteção e respeito. É uma situação muito triste a reinserção de um ex-detento na sociedade, e do jeito que estão fazendo temos preocupação com sua vida. Já o chamaram de assassino, psicopata e estuprador, imputando crimes que não aconteceram” – relata Marise Gama Corrêa Lutterbac, terapeuta ocupacional.

Segundo informações apuradas pelo portal, Reginaldo teve uma vida terrível, sofrendo consequências de um contexto familiar totalmente disfuncional, que fizeram ele se envolver no mundo das drogas e acabou tendo complicações que culminaram em prisões, a última prisão, por matar uma pessoa (segundo ele, precisou se defender).

“Ele foi acompanhado pela equipe do CAPS no Hospital de Custódia, a promover sua soltura com bastante organização e segurança. Ajudamos a alugar uma casa e diariamente ele fica no CAPS, o dia todo. Depois vai para casa. Saiu poucas vezes para uma volta na cidade, mas bastou ser reconhecido e começarem os ataques” – disse a profissional.

De acordo com o CAPS, Reginaldo vem sendo hostilizado e caluniado na cidade, devido seu passado conturbado. “Não é psicopata, não é estuprador. A decisão da Justiça é pelo crime que ele já pagou ficando preso por anos. Agora, tem natureza tranquila, pueril, não sabe ler e escrever, mas deseja aprender” – conta a terapeuta.

Recentemente, surgiu a desinformação que Reginaldo teria atacado uma criança e que a mesma estava hospitalizada. O caso foi desmentido pela Polícia Militar, que informou que o homem cumpriu a pena estabelecida pela Justiça e agora volta para o convívio em sociedade.

“Todos nós se apoiamos na chance dele seguir um bom caminho. Ele se arrepende do que fez e tenta se reinserir na sociedade. Mas, hostilizado e sendo terrivelmente pressionado por pessoas que o julgam, fica difícil. As pessoas tem sido muito desumanas” – disse a profissional que o acompanha de perto.

Ainda de acordo com o CAPS, que faz um trabalho indispensável na sociedade, o local de tratamento dá suporte aos pacientes psiquiátricos em liberdade. O suporte é diário, de segunda a sexta, com equipe multidisciplinar, incluindo médico psiquiatra. São acompanhados terapeuticamente de forma individual ou grupal em oficinas terapêuticas.

Contexto familiar e condenações

moco preto
Prisão ocorrida no ano de 2016 em Copacabana, Rio de Janeiro. Foto: Arquivo

Reginaldo teve uma vida terrível e triste, sofrendo consequências no contexto familiar totalmente disfuncional e conturbado, que o fez ser condenado na sua primeira detenção, onde ficou por 7 anos preso e saiu. O CAPS deu suporte, mas a família não o acolheu bem. Somente a mãe o apoiava. Ela morreu pouco tempo depois.

Foi ai que ele entrou para o mundo das drogas e começou a cometer delitos. Reginaldo foi preso no dia 17 de fevereiro de 2016, acusado de roubar e matar um pedreiro no bairro Adolvane, em Itaocara (RJ). Foi preso, na época, por policiais do serviço reservado do 19º BPM na Avenida Atlântida, em Copacabana, no Rio de Janeiro.

A justiça julgou e condenou pelo crime de latrocínio em 2016, mas também foi acusado pelo crime de latrocínio tentado em 2007. Ele também possui outras passagens pela polícia por crimes como roubo, furto e corrupção de menores. Os crimes foram cometidos em Itaocara, Cantagalo, Nova Friburgo e Campos dos Goytacazes.

Reginaldo ficou preso por muitos anos, até cumprir toda pena e ser considerado passível de ressocialização. No entanto, encontra dificuldades na sua cidade de origem Cantagalo (RJ). Ainda de acordo com o CAPS, a história da detenção é boa: um preso tranquilo, prestativo e com ótimo comportamento. Já poderia ter sido solto, mas houve demora para arrumar as condições em sua cidade natal.

Calúnia e comunicação falsa de crime

É necessário esclarecer que passados cinco anos do cumprimento da pena ou sua extinção, a pessoa torna ao seu estatus de réu primário. Isso quer dizer que, essa condenação anterior não poderá mais ser usada contra a pessoa em uma possível condenação futura.

Denunciar falsamente alguém da prática de crime, infração disciplinar ou ato de improbidade é crime, definido no Código Penal do Brasil como denunciação caluniosa. Para ser configurado, a pessoa deve atribuir um crime à pessoa que sabe que é inocente.

De acordo com o Código Penal, a comunicação falsa de crime ou de contravenção é passiva de detenção, de um a seis meses, ou multa. “Art. 340 – Provocar a ação de autoridade, comunicando-lhe a ocorrência de crime ou de contravenção que sabe não se ter verificado.”

Também é crime a denunciação caluniosa, passivo de reclusão, de dois a oito anos, e multa. “Art. 339. Dar causa à instauração de inquérito policial, de procedimento investigatório criminal, de processo judicial, de processo administrativo disciplinar, de inquérito civil ou de ação de improbidade administrativa contra alguém, imputando-lhe crime, infração ético-disciplinar ou ato ímprobo.”

Importância da reintegração social

Foto por Nizz7 Flick

O Brasil, desde os primórdios, enfrenta várias desigualdades sociais – pobreza, discriminação racial e de gênero, etnia e orientação sexual; supressão dos direitos humanos, entre outras. Na conjuntura histórica do país, a desigualdade social fomenta o desemprego, más condições de moradia, precarização da saúde e educação e o aumento da violência.

O crescimento da violência no Brasil é de natureza estrutural e sistêmico e reflete a falta de efetivação de políticas públicas, principalmente, no que tange à educação e à segurança. No Brasil, até 1830, não existia um Código Penal próprio, submetia-se às Ordenações Filipinas, que em seu livro V trazia o rol de crimes e penas que seriam aplicados no país.

Ainda em 1830, criou-se o Código Criminal do Império e a pena de prisão é introduzida em duas formas: a prisão simples e a prisão com trabalho, que podia ser perpétua. O código não estabelece nenhum sistema penitenciário específico, ficando a cargo dos governos provinciais escolherem o tipo de prisão e seus regulamentos. Com o novo código, a pena de prisão passa a ter um papel predominante no rol das penas, mas ainda se mantinha a pena de morte.

O Código Penal atualmente vigente no Brasil foi criado pelo Decreto Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940, pelo então presidente Getúlio Vargas durante o período do Estado Novo, tendo como ministro da Justiça Francisco Campos. Apesar da criação, em 1940, o atual código só entrou em vigor no dia 1º de janeiro de 1942.

O confinamento da pessoa ao Sistema Prisional Público tem o caráter punitivo e pedagógico, e o Estado tem a responsabilidade de reinserção de tal pessoa. A Lei de Execução Penal n ° 7.210/1984 apresenta para o ordenamento jurídico brasileiro a ressocialização do preso, com o fim de prevenir o crime e orientar o retorno à convivência em sociedade.

A reintegração social é essencial para a reinserção social do apenado e o trabalho do técnico (assistente social, pedagogo e psicólogo) tem papel imprescindível e indispensável nesse processo, que visa preparar o indivíduo para voltar a conviver em sociedade de forma digna. É significativa, porque contribui para a redução da reincidência criminal, promoção da cidadania e da justiça social, prevenção da violência e da exclusão social.

Na prática, uma equipe multidisciplinar atua com escuta qualificada, visita domiciliar, realização de oficinas e outras atividades, implementando programas que objetivam a reinserção social do preso, e realização de encaminhamentos à rede de proteção social. A equipe também tem sua atuação junto ao egresso e a família da pessoa sentenciada. Lembrando que a sociedade têm papel fundamental nesse processo.

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