Os velhos carnavais de Nova Friburgo
Uma das mais antigas brincadeiras trazidas pelo colonizador português foi o entrudo. Era um divertimento que antecedia a quaresma em que os foliões jogavam água uns contra os outros e ainda farinha, polvilho ou pó para o cabelo. Lançavam entre si bolas de cera moldadas em uma laranja, conhecidos como limões-de-cheiro, contendo um orifício no qual era injetada a água, geralmente com aroma de canela. Estes limões eram vendidos nas lojas como também nas ruas, por escravizados ao ganho. A bola de cera era forte o suficiente para permitir que fosse lançada a grande distância e no momento do choque ficava em pedaços molhando a pessoa que era o alvo. Na falta de bolas de cera usavam seringa de brinquedo, bacias, tigelas e baldes de água. Jean-Baptiste Debret retratou o entrudo entre negros ao ganho na litografia “Cena de Carnaval” (1823), porém era praticado em todas as classes sociais. A intenção era encharcar o outro com água ou pó! No entanto, como as pessoas passaram a lançar entre si lama, água suja, frutas pobres e urina, a partir de 1854 o entrudo passou a ser proibido pelas posturas municipais em todo o país, pelas confusões que provocava. Mesmo assim continuou, mas em menor intensidade. Em Nova Friburgo no final do século 19, o entrudo ainda era praticado.
Pelas ruas de Nova Friburgo (RJ) havia também os retumbantes Zés Pereiras, foliões que faziam um barulho ensurdecedor batucando em seus latões. A partir de 1855 surgiram os primeiros carros alegóricos no Rio de Janeiro. Bacharéis em direito, jornalistas, escritores, poetas e artistas criaram as denominadas “grandes sociedades” desfilando em carruagens repletas de alegorias. Estas sociedades durante o desfile distribuíam para a população folhetins fazendo críticas a Câmara Municipal pela falta de lampiões nas ruas, aumento do imposto da décima urbana, entre outras reclamações. Em Nova Friburgo (RJ), desfilando em carruagens ornamentadas pelas ruas do centro o Club dos Fantasmas do poeta Menezes Wanderley distribuía o folhetim O Fantasma; já o Rei do Fogo do artista plástico Elviro Martignoni distribuía o folhetim Caricato Progressista. O povo apreciava muito a pilhéria destas sociedades carnavalescas.
Rapazes e senhoritas mascarados com voz de falsete percorriam a cidade apregoando ditos espirituosos e anedotas engraçadas que provocava gargalhadas. Os populares tentavam a todo custo descobrir quem estava por detrás das máscaras, mas o anonimato era fundamental nesta brincadeira. Manter-se durante todo o carnaval sem que se descobrisse sua identidade era o entusiasmo da festa. Os mascarados perguntavam a todo momento: Você me conhece?
Os bailes de máscara das elites ocorriam nos salões dos hotéis Central, Salusse, Leuenroth e Engert. Nos salões a ornamentação era feita com flores naturais e artificiais, folhagens, serpentinas, bandeirolas, lanternas, máscaras, para dar ao ambiente uma atmosfera do carnaval veneziano. Quando surgiram os bailes carnavalescos no Rio de Janeiro em 1835 dançava-se marchinhas e fandangos. Em Nova Friburgo no final do século 19 dançava-se nas soirées quadrilha, valsa, tango, mazurca, polca e schottisch. Os músicos das bandas musicais Euterpe e Campesina eram os responsáveis pela animação dos bailes. Muitas famílias promoviam durante o carnaval bailes à fantasia privados em suas residências. Uma ceia era servida à meia-noite em uma mesa ricamente ornamentada com champanhe e variedade de doces.
No final do século 19, as famílias ricas de Nova Friburgo, assim como os turistas, costumavam organizar a batalha das flores, uma imitação do carnaval de Nice, na França. Era um evento que ocorria geralmente na segunda-feira de carnaval e gerava imensa expectativa na população. Tratava-se de um desfile de carruagens ornadas de flores naturais e artificiais como rosas, orquídeas, camélias e crisântemos, todas de variadas cores. Em algumas carruagens as flores formavam alegorias como estilo japonês, corbeille de flores, borboleta, cisne, conchas de rosas, um barco ou mesmo um caramanchão de flores e folhagens.
A concentração poderia ocorrer na praça Marcílio Dias, na ocasião conhecia como largo do Paissandu ou em frente à igreja Matriz, conforme a escolha dos organizadores. As carruagens começavam a chegar às 15h e aproximadamente uma hora depois girândolas de foguetes anunciavam o início do desfile, precedido por uma banda de música que tocava um animado repertório. Após as carruagens desfilarem pelas ruas do centro da cidade, escolhia-se um local de parada onde ocorreria a batalha. Poderia ser na praça do Suspiro ou na Getúlio Vargas. Ao toque do clarim principiava a combate. Os carnavalescos digladiavam-se em animado e ardente combate atirando de suas carruagens flores e confetes uns contra os outros, ao som da banda musical. Não se poupava as senhoras e as senhoritas deste embate.
Em meados do século vinte, os bailes passaram dos hotéis para os clubes sociais como o Clube do Xadrez, Country Club, Sociedade Esportiva, nas sedes sociais das indústrias têxteis e das sociedades musicais. No carnaval de rua surgiram os cordões e os ranchos. Recebia o nome de cordões, pois os foliões ficavam cercados por uma corda para evitar que o público se misturasse à eles. Posteriormente foram sendo denominados de bloco. Em Nova Friburgo, os ranchos foram substituídos pelas escolas de samba na década de 1940. Na realidade, o rancho tem a mesma estrutura de uma escola de samba, com a diferença de que tem um ritmo muito mais lento.
Nas escolas de samba havia a competição nas seguintes modalidades: música, harmonia, canto, orquestra, conjunto, maior número de componentes, evolução, elegância, estandarte, fantasia, enredo e orientação. Os passistas desfilavam por diversas ruas da cidade cantando variadas músicas de carnaval. O samba-enredo das escolas de samba surgiu apenas em 1955. As folionas eram chamadas de pastorinhas. Depois passaram a ser chamadas de bailarinas e atualmente de passistas. Até a década de 1960 havia em Nova Friburgo o enterro do carnaval na Quarta-Feira de Cinzas. Um esquife era conduzido pela cidade sobre um carrinho de mão acompanhado pela multidão. Algumas pessoas portavam tochas acesas e o préstito seguia pelas ruas da cidade em intensa zombaria ao lado do caixão. Tudo indica que esta prática do enterro do carnaval foi extinta porque o pároco local a proibiu, achando a zombaria desrespeitosa.