Country Club: O Central Park de Nova Friburgo
O Parque São Clemente era no século 19 uma chácara produtiva e de veraneio do fazendeiro capitalista Antônio Clemente Pinto, Barão de Nova Friburgo. A casa de vivenda em estilo chalé, muito em moda na época, deu nome à propriedade que ficou conhecida como Chácara do Chalé. Construída em 1860, o autor do projeto foi o arquiteto alemão Karl Frederich Gustave Waehneldt. Os jardins em estilos inglês, romântico francês e italiano (ao fundo do chalé) foram concebidos pelo paisagista francês August François Marie Glaziou, que servia ao Imperador D. Pedro II.
O barão teve dois filhos Antônio Clemente Pinto, que recebeu o título de Conde de São Clemente e Bernardo Clemente Pinto Sobrinho, o de Conde de Nova Friburgo. O primeiro foi quem herdou a Chácara do Chalé na partilha realizada em 1870, no inventário do Barão de Nova Friburgo. A propriedade possuía uma dimensão de 80 alqueires onde 16 escravizados se ocupavam das plantações de milho, legumes, hortaliças, do pomar, do moinho, da criação de porcos e do gado. Criados e colonos portugueses da ilha de Açores cuidavam dos jardins, lagos e repuxos. O que era produzido na chácara era consumido pela família Clemente Pinto em suas propriedades em outros municípios.
A chácara é banhada pelo rio Cônego e se estendia desde a atual rua Baronesa até o bairro Olaria fazendo limite com o Cônego. Do chalé, a família Clemente Pinto se deslocava entre as suas propriedades na vila, como a residência na Praça Getúlio Vargas e o barracão de caça (atual Sanatório Naval), quer por meio de uma liteira conduzida por escravizados, ou numa carruagem ou por um bonde puxado por um burro sobre trilhos, com ramais espalhados pelo centro de Nova Friburgo. No inventário do barão vem descrito que a chácara “…se compõe de uma área de terras de oitenta alqueires, mais ou menos, parte cultivada, parte em mattas e parte em capoeiras, excluídas as terras desmembradas para a fazenda do Conego; caza nobre de vivenda com architetura de chalet; parque; pomar; lagos represas; jardins; caza de morada para o administrador; caza do hospital, senzalas; paiol; e estrebaria.”
O luxo da mobília, alfaias e louças relacionadas no inventário revelam o gosto pelo luxo da família, ainda que fosse uma morada campestre. Possivelmente o fausto se devia por receberem na chácara repetidas vezes um hóspede ilustre, o Imperador D. Pedro II, em sua passagem ou estadia em Nova Friburgo. Em 1873, por ocasião da inauguração da segunda fase da Estrada de Ferro Cantagalo entre Cachoeira de Macacu e Nova Friburgo, o Imperador, que prestigiou o evento, se hospedou na chácara. Em 1883, D. Pedro II passou duas vezes pela chácara indo e voltando do município de Campos. No retorno de Campos foi recepcionado pelo Conde de São Clemente na Chácara do Chalé. A “Revista Illustrada” registrou esta passagem. A ilha do jardim estava iluminada com copinhos de cor, festões, lanternas venezianas e arcos de luz de variados tons. Os canais e as elegantes pontes de ferro fundido Marc Farlane iluminados a “giorno”. Fogos de bengala e de artifício saudavam a comitiva do Imperador. Uma gôndola veneziana passava pelo canal exibindo globos de luzes multicolores. O Imperador “elevado pelos sons de uma habanera, arrisca dar pequenos passos da dança americana”, escreveu o articulista do jornal.
Em 1875 os fotógrafos alemães Albert Henschel e Franz Benque, que acompanhavam a comitiva de D. Pedro II, fizeram dois registros fotográficos da vista geral da Chácara do Chalé. Após quatro gerações na família, em 3 de fevereiro de 1913 os netos do Conde de São Clemente venderam a propriedade a Eduardo Guinle. O novo proprietário fez uma ampla reforma na chácara que estava em péssimas condições em quase todas as suas instalações. Os últimos a residirem na chácara foram o Conde de São Clemente e a esposa, mas desde a morte de ambos os herdeiros a abandonaram, já que residiam em outros municípios. Os lagos estavam assoreados, havia até um galinheiro no meio da ilha tomada pelo mato, entre outras avarias. No chalé dois quartos foram transformados em dois banheiros, cômodo que não existia no século 19. Colocou azulejos na cozinha, copa e banheiros utilizando sobras da construção de seu palácio no Rio de Janeiro, atual residência do governador do Estado.
Eduardo Guinle manteve as características do jardim projetado por Glaziou, mas plantou muitas árvores frutíferas. A chácara permaneceu uma unidade produtiva e vendia produtos de granja como frangos, ovos, frutas, legumes, bem como flores, adubo, mudas de plantas e madeira. No pomar havia pereiras d’água e ferro, marmeleiros, cerejeiras, framboeseiras, macieiras, caquizeiros, jaqueiras, goiabeiras, ameixeira, jabuticabeiras, bananeiras e sapucaias, este último fruto muito apreciado pelos indígenas. Na várzea havia plantação de arroz. Com o falecimento de Eduardo Guinle em 1941, seu filho César Guinle, um dos herdeiros, passou a administrar a chácara. César Guinle foi prefeito do município no período de 1947 a 1951.
No entanto, César Guinle tinha outros projetos para a propriedade e não manteria mais a granja. No seu projeto “Cidade Jardim” desmembraria a chácara em lotes para venda, urbanizaria o seu entorno, mantendo o jardim de Glaziou. O local já era conhecido na cidade como Parque São Clemente, em homenagem ao conde. A família do conde já se desfizera de algumas áreas da chácara. O empresário alemão Peter Julius Ferdinand Arp comprara dos herdeiros um terreno de aproximadamente 74.000 m² para a instalação de uma indústria têxtil. No desmembramento da chácara, Cesar Guinle fez a doação de um terreno de 41.500m² ao time de futebol Fluminense Atlético Clube e uma área de 16.000m² para a construção de casas populares. Nova Friburgo recebia muitas famílias originárias de municípios vizinhos para trabalhar nas indústrias têxteis e havia demanda por casas. No entanto, o projeto “Cidade Jardim” não se viabilizou e César Guinle vendeu a gleba onde se encontrava o jardim de Glaziou, que vamos chamar de parque, a um grupo interessado.
Desejando fundar um espaço de sociabilidade restrito às elites locais, um grupo de 50 homens ricos e de famílias tradicionais, coordenado por Antônio Roussoulières, adquiriu o Parque São Clemente e suas benfeitorias. Criaram em 1957 o seleto Nova Friburgo Country Clube, mesmo ano do tombamento do parque pelo IPHAN como patrimônio histórico. Por ser um clube social privado, o parque evidentemente era restrito aos sócios do clube. No entanto, em 2005, por meio de um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) firmado entre o Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro e o Nova Friburgo Country Clube, o clube foi compelido a permitir a utilização do parque pela população. Atualmente os sócios desfrutam das áreas privativas que circundam o parque e compartilham este espaço com a população. O parque é muito frequentado, notadamente para caminhadas. Com esta permissão aos não sócios, tornou-se uma espécie de “Central Park” de Nova Friburgo. Localizado bem no centro da cidade é um privilégio que poucos municípios desfrutam no país.