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Alimentação dos escravizados nas fazendas de café em Cantagalo

As Instruções Gerais para a Administração das Fazendas são uma das mais importantes fontes de pesquisa para se conhecer o cotidiano das unidades de produção de café no Brasil Império. No município de Cantagalo, região serrana fluminense, Antônio Clemente Pinto, Conde de São Clemente elaborou em 1879, uma espécie de manual da rotina dos escravizados nas fazendas de sua família. Eram proprietários neste município das fazendas Gavião, Areas, Aldeia, Santa Rita, Itaóca, Cafés, Água Quente, Jacotinga, Laranjeiras, Macapá, Boa Sorte e Boa Vista. Quem trouxe luz a esta documentação foi Leila Vilela Alegrio, em seu livro “Os Clemente Pinto”. As ocupações diárias do administrador da fazenda, a rotina de trabalho e a alimentação dos escravizados, inclusive das crianças, tudo isso é contemplado nas instruções nos conduzindo a uma leitura preciosa do cotidiano nas fazendas cafeeiras fluminenses.

Antônio Clemente Pinto, Conde de São Clemente. Acervo internet.
Antônio Clemente Pinto, Conde de São Clemente. Acervo internet.

O conde inicialmente recomendava ao administrador prudência, sobriedade e imparcialidade, administrando a fazenda como se fosse sua propriedade. Nas recompensas e nos castigos, o administrador não poderia ser guiado pelo capricho ou parcialidade. Deveria ser o primeiro a se levantar e tocar o sino, com intervalo de 5 minutos, uma hora antes de nascer o dia. A seguir deveria formar a escravatura, cada feitor com seu terno, fazendo a contagem para saber se todos estavam presentes e castigando aos que faltarem ao chamado. Os que estivessem enfermos seriam recolhidos ao “hospital”, na realidade uma espécie de enfermaria nas instalações das fazendas. A preocupação com a saúde e alimentação dos escravizados deve-se ao fato do preço destes indivíduos ter se elevado sobremaneira a partir da lei de 1850, que pôs fim definitivamente ao tráfico intercontinental de africanos.

Antes dos escravizados partirem para o eito deveria ser-lhes servidas 2 xícaras de café bem torrado, provando antes o administrador para se certificar se estava bem feito e adoçado. Revistavam-se os pés examinando se foram lavados na noite anterior, antes de se deitarem. A falta de higiene nos pés dava origem a feridas, frieiras e bichos de pé, destacava o conde. No século 19, a refeição do almoço era feita às 10h da manhã, tanto no campo como na cidade. Nesta refeição, os escravizados deveriam comer feijão cozido bem temperado com sal, gordura de porco e pimenta, acompanhado de angu de milho.

Partida para colheita de café. Marc Ferrez entre 1870 e 1899. Acervo IMS
Partida para colheita de café. Marc Ferrez entre 1870 e 1899. Acervo IMS

O jantar servido às 2h da tarde consistia em feijão com nacos de carne seca, recomendando-se serem fritas antes na gordura de porco. Ao feijão deveriam ser misturadas ervas ou couves e a preparação da carne deveria variar sendo ensopada com abóbora, couve ou outro tipo de legume. A ceia dos escravizados, hábito português antes de dormir, deveria ser frugal para evitar indigestões. Davam-se inúmeras opções desta merenda, tais como: canjica bem cozida e bem adoçada de milho branco ou mingau de fubá, ou de arroz, ou de mandioca temperada com gordura e abóbora. Poderia ainda ser angu com ervas ou outros legumes da estação. A comida deveria ser provada anteriormente pelo administrador.

Gordura de porco e açúcar na alimentação dos escravizados. Acervo IMS.  
Gordura de porco e açúcar na alimentação dos escravizados. Acervo IMS.

Deveriam receber no jantar pelo menos duas vezes na semana, arroz bem preparado com gordura. Percebe-se que a gordura de porco e o açúcar tinham grande importância na dieta alimentar dos escravizados. Recomendava-se servir a alimentação com abundância até se satisfazerem e as sobras lançadas nos coxos dos porcos. Para as crianças menores de 7 anos, pela manhã deveria ser servido café com leite bem adoçado acompanhado de um pedaço de rosca ou pão de milho. Às 8h almoçariam arroz com leite ou arroz temperado com gordura. Às 11h, uma ou duas bananas ou laranjas. Às 2h jantariam feijão misturado com arroz e angu de milho, ou pirão de mandioca com um pedaço de carne seca. Na ceia, canjica bem adoçada.

Partida para colheita de café, Marc Ferrez. Acervo IMS
Colheita do café, Marc Ferrez entre 1870 e 1899. Acervo IMS.

Joseph Hecht, colono suíço instalado em Nova Friburgo deixou um interessante relato de como se alimentavam os escravizados em uma fazenda que visitou: “Para os escravos, os negros, cozinha-se comida à parte, constando de arroz ou legumes e um pouco de carne de porco. Quando a comida fica pronta, todos os negros sentam-se no chão duro, em volta da panela de comida, seminus. Cada qual tem uma cuia, na qual se servem com uma grande colher de pau. Traz-se, então, farinha de mandioca e duas jarras de água. Eles polvilham farinha sobre o arroz e misturam tudo com os dedos, até fazer uma massa espessa. Quando esta chega ao ponto certo preparam pelotas redondas que seguram com 3 dedos e jogam com extraordinária habilidade para dentro da boca. Ajuntam-se em torno da panela e, como não tem garfo nem colher o ano inteiro, não lhes ocorre a ideia de imitar os modos educados dos europeus para se alimentarem. Junto com as pelotas de comida bebem bastante água. Era um espetáculo realmente curioso de se ver – tantas pessoas negras sentadas juntas em torno de uma panela preta. Os negros ficavam muito inibidos com a nossa presença e jogavam as apetitosas pelotas ainda mais rapidamente na boca. Sem dúvida, nós precisaríamos praticar um longo tempo até atingir tão elevado grau de perfeição.” Cumpre destacar que o matuto brasileiro fazia o mesmo e se denomina esta prática de “fazer o capitão”. Não podemos afirmar se estas orientações foram seguidas a rigor, mas trata-se de um importante documento sobre a história da alimentação no Brasil.


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