O caso dos prisioneiros alemães no Sanatório Naval de Nova Friburgo
Durante a Primeira Guerra Mundial(1914-1918) ocorreu um interessante episódio em Nova Friburgo envolvendo prisioneiros alemães, que coincide com o início da industrialização do município, que mudou a sua história. No início deste conflito mundial, 45 navios alemães da Marinha Mercante foram detidos nos portos brasileiros. O objetivo era aprisionar e “internar” os tripulantes dos navios em diferentes locais. Uma das cidades a que se destinou um grupo deles foi Nova Friburgo que possuía uma base da Marinha, o Sanatório Naval. No ano de 1889, a Marinha instalou em Nova Friburgo enfermarias em duas chácaras na rua Gal Osório, para o tratamento de marujos acometidos por beribéri. Já em junho de 1910 adquiriu do conde de Nova Friburgo o “barracão”, belíssimo chalé de alvenaria e estruturas de ferro inglesas, dentro de imensa gleba de 196 alqueires, para acolher e tratar marujos tuberculosos. Existe controvérsia sobre o número de prisioneiros instalados no Sanatório Naval, e segundo Carlos Fischer em “Uma História em Quatro Tempos” foram aproximadamente 227 alemães da Marinha Mercante.
Os prisioneiros ficaram instalados bem distante do “barracão”, na base de uma colina, possivelmente para evitar o contato com os marujos tuberculosos. Os que ocupavam os mais altos postos de comando ficaram acomodados em barracões de madeira feitos especialmente para eles, e os demais acampados em barracas no que se denominou de Campo de Internação. O acampamento era uma verdadeira atração na cidade e curiosos se dirigiam ao Sanatório Naval para observar os prisioneiros alemães. Até times de futebol foram formados competindo os prisioneiros contra a população local em partidas realizadas nas instalações do sanatório. No entanto, a pandemia de gripe espanhola vitimou alguns prisioneiros alemães que tinham contato com a população. Em Nova Friburgo entre 800 e 1000 pessoas faleceram desta gripe, conforme o diário dos padres do Colégio Anchieta.
Entre os prisioneiros foram vitimados da gripe espanhola Wilhelm England, falecido em 18 de janeiro de 1918 com 32 anos de idade; Walter Schumacher, falecido em 11 de fevereiro de 1918 com 19 anos de idade; Karl Schluter, falecido em 12 de fevereiro de 1918 com 42 anos de idade; Richard Villvock, falecido em 20 de maio de 1918 com 40 anos de idade; Otto Ewelin, falecido em 10 de junho de 1918 com 36 anos de idade; Hans Drews, falecido em 26 de outubro de 1918 com 30 anos de idade; Otto Forster, falecido em 27 de outubro de 1918 com 30 anos de idade; Georg Stener, falecido em 2 de novembro de 1918 com 27 anos de idade; Karl Bochlert, falecido em 11 de novembro de 1918 com 33 anos de idade; August Koll, falecido em 17 de novembro de 1918 com 26 anos de idade; Emil Godescheit, falecido em 23 de janeiro de 1919 com 43 anos de idade e mais um cuja lápide não está legível. Todos foram enterrados no cemitério luterano de Nova Friburgo.
Aos prisioneiros alemães foi dada permissão pelo governo brasileiro para trabalharem onde estivessem “internados”. Para tanto, o empregador deveria manter periódico contato com a Comissão Militar comunicando a permanência do “internado” a seu serviço. Em 1911, o empresário alemão Peter Julius Ferdinand Arp(1858-1945) se estabeleceu em Nova Friburgo investindo na indústria têxtil. Iniciou a produção de rendas de bilro, cadarços, atacadores de sapatos e iscas para isqueiro. No ano seguinte, o alemão Maximilian Wilhelm Bogislav Falck inaugurou a Fábrica Ypu produzindo artigos de passamanaria. Arp e Falck contrataram alguns prisioneiros alemães, seus compatriotas, para trabalharem em suas indústrias nas recém instaladas.
Richard Hugo Otto Ihns(1889-1960) foi um dos contratados. Originário da Prússia, oficial da Marinha Mercante alemã, encontrava-se em Pernambuco quando a Primeira Guerra Mundial eclodiu. Seu navio ficara detido até que, em 1917, as autoridades brasileiras resolveram que parte da tripulação, o “Cap. Finister” se dirigisse para Nova Friburgo. Otto Ihns foi contratado em 19 de julho de 1919 como diretor-técnico e desde então a Fábrica de Rendas Arp se desenvolveu a passos largos. O grandioso investimento feito por Julius Arp na indústria têxtil talvez não alcançasse o extraordinário desenvolvimento a que chegou, se não fosse a administração de Otto Ihns.
Otto Ihns expandiu a produção de rendas e em 1920 diversificou a linha de produtos com a fabricação de bordados. Poucos anos depois, em 1924 inovou com a importante fabricação de fios de algodão, que se tornou o carro-chefe da empresa e referência nacional, inaugurando ainda as seções de tinturaria e alvejaria. Quando foi admitido havia 130 funcionários e em 1923 aumentou para 454 o número deles. Introduziu entre os operários valores morais como pontualidade, disciplina, organização, valor do tempo, o sucesso e o insucesso. Os funcionários assimilaram os costumes e hábitos europeus diferenciando-se das demais cidades fluminenses. Recebeu o título de cidadão brasileiro em 1933, participou da fundação em Nova Friburgo da “Sociedade 21” formada por simpatizantes de Adolf Hitler, hoje Sociedade Esportiva Friburguense. Foi o presidente da comunidade luterana local. Richard Hugo Otto Ihns administrou a Rendas Arp durante 41 anos até seu falecimento em 17 de julho de 1960. A sua importância pode ser verificada quando a Rendas Arp celebrou seus 50 anos. Por meio de subscrição dos funcionários da fábrica foi inaugurado um busto de bronze, em homenagem ao diretor e ex prisioneiro de guerra. No busto consta a seguinte inscrição: “Richard Hugo Otto Ihns, os empregados da fábrica de Rendas Arp S.A num testemunho de gratidão e respeito ao seu inesquecível e saudoso diretor-gerente galvanizam neste bronze a sua eterna lembrança. 1919-1960. Cinquentenário da fábrica de Rendas Arp S.A”
Janaína Botelho: roteirista, historiadora e professora