Em Nova Friburgo, espetáculo retrata a história da capela de Santo Antônio
A história da capelinha de Santo Antônio será representada pelo grupo de teatro Jane Ayrão na peça “A Promessa”. Trata-se de uma história instigante da trajetória do lisboeta Samuel Antônio dos Santos, que bem merece um roteiro de teatro ou cinema. De acordo com a história oral, um acontecimento traumático ocorrido possivelmente em 1858 ou 59, mudou a vida de Samuel Antônio dos Santos, maestro de bordo da Marinha Portuguesa, quando embarcava com destino a Buenos Aires. Um intenso temporal colocou o navio em risco de naufrágio, que quase matou toda a tripulação. Samuel dos Santos, desesperado durante a tormenta, rezou e pediu ajuda a Santo Antônio, orago de sua devoção, fazendo a promessa de que abandonaria a Marinha no primeiro porto que desembarcasse e construiria uma capela em homenagem ao santo onde fixasse domicílio. A embarcação superou o naufrágio e aportou no Rio de Janeiro. Samuel dos Santos solicitou o desligamento da Marinha cumprindo assim uma das promessas e passou a residir no Brasil. Na Corte trabalhou como professor e regente até o ano de 1862, quando soube de uma vaga como lente de música no colégio-internato São Vicente de Paulo, em Nova Friburgo, município serrano da província fluminense. Preferiu a salubre vila nas montanhas à canícula do Rio de Janeiro, que vitimava todo o verão centenas de pessoas nas epidemias de febre amarela.
Existem duas versões sobre o educandário onde começou a dar aula. A primeira foi de que iniciou no internato São Vicente de Paulo, que funcionava na casa de vivenda da antiga fazenda do Morro Queimado, conhecida como chatêau. O famoso pedagogo Barão de Tautphoeus era um dos diretores e ali estudava o abolicionista Joaquim Nabuco e seu irmão. Não dispondo de espaço no colégio-internato para acomodar o maestro, o barão de Tautphoeus convenceu sua governanta Elisa Heckert Pascal, viúva, a hospedar Samuel Antônio dos Santos em sua residência. A outra versão foi de que o maestro começou a dar aula no internato colégio Freese, de propriedade do coronel Galiano Emílio das Neves. Como o coronel fora professor de música no São Vicente de Paulo e depois adquirira o colégio Freese, possivelmente levou Samuel dos Santos para o seu educandário, circunstância esta que pode ter confundido alguns pesquisadores.
De qualquer forma, o maestro Samuel Antônio dos Santos se hospedou na residência de Elisa Heckert Pascal e foi quando sua vida começou a mudar. Apaixonou-se pela filha da sra. Pascal, Guilhermina, descrita como meia e afável, cujo amor foi correspondido pela mocinha. Casaram-se em 1861 e Guilhermina tornou-se companheira inseparável do marido em seu projeto de construir a capela em devoção a Santo Antônio. Inicialmente, o maestro fundou em 26 de fevereiro de 1863 a Sociedade Musical Beneficente Euterpe Friburguense tendo o primeiro Barão de Nova Friburgo como presidente. Tudo indica que a banda surgiu objetivando arrecadar dinheiro para a construção da capelinha com a apresentação de retretas.
De acordo com a escritora Maria José Braga, em sua residência na rua Gal Osório, n° 164, Samuel dos Santos improvisou um salão para espetáculos musicais. Arregimentou para a sociedade musical jovens das famílias Bravo, Sardou, Berçot, Tingly, Martignoni, entre outros, e com retretas e leilões arrecadava dinheiro para a capelinha. Samuel dos Santos fez igualmente uso da arte dramática para obter recursos para o cofre da capelinha. No salão montou um palco, preparou um cenário, adquiriu cadeiras e ali representava com a moçada da vizinhança peças de teatro. De início, precisava arranjar um local para construir a capela e resolveu pedir um terreno a Câmara Municipal de Nova Friburgo, que administrava o município.
Nas atas da Câmara acompanhamos de que forma o maestro pode realizar a sua promessa ao santo taumaturgo. Na sessão de 27 de maio de 1874, a Sociedade Musical Beneficente Euterpe Friburguense, pelo seu procurador Samuel Antônio dos Santos alegou desejar edificar uma capela para Santo Antônio na vila, pleiteando junto a Câmara um terreno na praça do Suspiro, que havia sido reservado para uso público. Os vereadores aprovaram a doação do referido terreno, desde que fosse autorizada pela Assembleia Provincial, já que não possuía nenhuma autonomia, mesmo sobre seus próprios bens. De acordo com a lei provincial 2.120, de 26 de outubro 1875 ficou autorizada a Câmara Municipal de Nova Friburgo a ceder gratuitamente a Sociedade Musical Euterpe, um terreno de sua propriedade na praça do Suspiro, para nela construir a capela de Santo Antônio.
Porém, a doação não se concretizou de imediato. Na sessão de 12 de maio de 1879 existe um requerimento de Samuel dos Santos solicitando alvará de doação à referida sociedade musical, do terreno que lhe fora concedido na praça do Suspiro, com aprovação do Governo Provincial, para a edificação de uma capela sob a invocação de Santo Antônio. Efetivada a doação foi lançada a pedra fundamental para a construção da capelinha no dia 13 de junho de 1879, dia do orago, pelo vigário João Philippe Pinheiro. O maestro fazia parte da comissão de obras e era igualmente festeiro do glorioso Santo Antônio. No dia da festa do santo construía um coreto na praça, montava barracas para vender guloseimas e fazia leilão de prendas arrecadando fundos para a obra. Pessoas da sociedade friburguense contribuíram com subscrições para a construção, conforme documentação da Diocese.
Depois de 5 anos de obra, no dia 13 de junho de 1884 a capelinha foi inaugurada com missa rezada pelo vigário Amato Teotti Castor Brasil. A imagem de Santo Antônio foi presente da baronesa de São Clemente que a trouxe de Portugal. O harmônio veio de Paris, recebendo a capelinha doações como imagens sacras, lustre de cristal, o tabernáculo e alfaias. No ano 1886, os Jesuítas se instalaram em Nova Friburgo no prédio do château estabelecendo um internato para meninos, denominado de Colégio Anchieta. Desde então, possivelmente a pedido da Diocese, assumiram a capelinha de Santo Antônio realizando missas, pregações, confissões, catecismo, etc.
Na alvorada do dia 13, festa de Santo Antônio, a Sociedade Musical Euterpe percorria a vila despertando os devotos com harmoniosas peças de seu repertório. Às onze horas era celebrada missa subindo à tribuna um pregador que fazia o panegírico do glorioso taumaturgo. Às cinco horas da tarde, as famílias participavam da procissão, com crianças vestidas de anjos. Juncava-se de folhagens e flores a frente das casas por onde passava o préstito, em tributo ao santo. Flores e folhagens também ornavam um arraial de barraquinhas com paredes de lonas brancas e tetos de zinco realçados pelo verde da vegetação. Eram todas iluminadas com lampiões. No festim de Santo Antônio, os friburguenses esbaldavam-se com doces, café, refrescos, patos, perus, leitoas, carneiros, vitelas, carás e melado. Ardiam fogueiras assando-se canas e batatas doces. Ao cair da tarde, realizava-se leilão de prendas, que continuava à noite depois de cantada a ladainha.
As moças solteiras acendiam velas de cera ao santo casamenteiro pedindo por um bom matrimônio. Alguns levavam pencas de laranja ou frangos que trocavam por medalhinhas e registros com laços de fitas. As meninas vestidas galantemente saíam como bando de andorinhas travessas, à cata de flores para enfeitarem o oratório. Já os meninos corriam pela multidão atirando bichas e busca-pés no ar em direção às moças que corriam esbaforidas, com medo de queimarem os vestidos novos.
Samuel dos Santos escolheu uma excelente localização para a capelinha, o mais aprazível da vila. Ficava numa praça arborizada próxima a famosa fonte do Suspiro. O engenheiro Luiz Pires de Farinha Filho descobriu uma nascente no alto do morro e captando esta água construiu uma fonte de “pedra lavada”, em cantaria, despejando água em um depósito. A fonte possuía três bicas de metal e sobre cada uma delas, lapidadas na pedra, as palavras amor, saudade e ciúme. Farinha Filho projetou na praça um lindo jardim com pequenas pontes e no centro um lago. Um caramanchão com touceiras de bambu cobria a estátua de mármore de Minerva. Nesta bucólica praça ficava a capelinha de Santo Antônio. Samuel Antônio dos Santos permaneceu como zelador da capela e festeiro até o seu falecimento em 08 de dezembro de 1905, com 78 anos de idade.
Em 1948 foi construído sobre o telhado da capelinha o campanário (torre sineira) e duas agulhas, projeto do arquiteto Lúcio Costa. A capela de Santo Antônio foi tombada pelo INEPAC – Instituto Estadual do Patrimônio Cultural em 07 de janeiro de 1988. Na peça “A Promessa”, a roteirista e diretora Jane Ayrão coloca o amor entre Samuel e Guilhermina, assim como a construção da capela, como fio condutor acrescentando personagens fictícios com histórias de amor, ciúme e desilusão que não poderiam faltar para tornar a trama mais excitante. Peças musicais como fado, ópera e valsa tornam “A Promessa” o que a arte dramática tem de melhor a oferecer ao expectador. Estreia no dia 30 de setembro, no Grupo de Promoção Humana – GPH, na praça do Cônego, com entrada franca.
Janaína Botelho: roteirista, historiadora e professora