Prefeitura desapropria palacete histórico em Nova Friburgo; entenda a história
O belíssimo palacete da Vila Amélia tem origem com o imigrante Antônio Alves Pinto, nascido em 1° de julho de 1862 no Minho, em Portugal. O menino Antônio veio aos 11 anos com parentes trabalhar no Brasil, idade em que as crianças das classes populares começavam a labutação. No Rio de Janeiro foi funcionário nas firmas de secos e molhados Arantes & Rabelo e Coelho Martins & Cia, no centro da cidade. Com o falecimento de Coelho Martins, Alves Pinto tornou-se sócio incorporando o sobrenome Martins, passando a chamar-se Antônio Alves Pinto Martins. Antônio conheceu a esposa Carolina, que já tinha uma filha, em Portugal, em uma de suas viagens ao torrão natal. Casaram-se em 31 de outubro de 1898 depois de nascidos três filhos do casal, Antônio com 36 e Carolina com 35 anos de idade. Aos 52 anos, em razão de um acidente vascular cerebral resolveu mudar-se com a família para Nova Friburgo. Além de sua saúde fragilizada, a tuberculose de seu filho Álvaro contribuiu para a decisão de residir na cidade serrana, conhecida pela salubridade de seu clima e muito procurada pelos que padeciam desta doença. O seu filho Abílio já residia em Nova Friburgo como interno no Colégio Anchieta.
Em Nova Friburgo, Pinto Martins adquiriu em 1914 da família Salusse a chácara do Relógio, também conhecida como chácara do Moinho, com aproximadamente 667.749 m². Na chácara havia uma casa assobradada com paredes de pau a pique sobre alicerces de pedra; uma outra casa assobradada em forma de chalé, de pau a pique, com sacada de grades de ferro, além de outras pequenas casas. Dois riachos passavam pela propriedade e um deles formava uma cascata dando origem a uma piscina natural. Pinto Martins tinha como principal atividade econômica na chácara a produção e comercialização de laticínios como leite, queijo e manteiga; charcutaria de linguiças defumadas; frutas que vendia frescas e em compotas; verduras e legumes, café, mel e vinho. A comercialização era feita no “Mercado Villa Amélia”, dentro de sua propriedade. Possivelmente deu origem a feira da vila Amélia que sempre funcionou nas proximidades do antigo mercado. Em Janeiro de 1915 registrou a logomarca V.A., de Villa Amélia, com um V e um A entrelaçados.
Na chácara havia um pomar com pereiras, macieiras, goiabeiras, canforeiras, jabuticabeiras, laranjeiras, caquizeiros, bananeiras, pitas e nêsperas, esta última de mudas que trouxe de Portugal. No brejo plantava hortaliças e legumes, e no morro possuía arbustos de café. O córrego do Relógio, que passava pela chácara era margeado por videiras utilizadas na produção de vinho, que se estendiam e emaranhavam numa pérgula de ferro. No meio de uma enorme touceira de hortênsias sobressaía um majestoso e imponente sobreiro, árvore que trouxe de Portugal e de onde se tirava a cortiça para fazer rolhas das garrafas de vinho. Havia a “árvore do palito” que fazia nada menos que palitos. Possuía gado e criação de porcos, galinhas, cabras e marrecos. Plantava igualmente flores de corte como margaridas, cravos, boca de leão e rosas. Na Exposição do Centenário da Independência em 1922, os Martins lotaram um vagão de carga da Leopoldina Railway com flores para serem exibidas na exposição. Pinto Martins arrendava pequenas glebas de terras da chácara para lavradores, assim como alugava casas na propriedade. De sua pedreira fez uso na terraplanagem no entorno de sua chácara, que era caminho para a estrada de Teresópolis.
Para a comodidade da família construiu no planalto da chácara um palacete inaugurado em 18 de maio de 1916, benzido pelo monsenhor José Silvestre Alves de Miranda. O palacete era conhecido na cidade como “mansão da Villa Amélia”. A família a denominou de “Villa Amélia” em homenagem a Amélia, única menina entre os oito filhos(um falecido) e o termo vila possivelmente decorre do fato de haver casas alugadas na chácara. À frente do palacete havia um lago com variadas espécies de peixes, um chafariz e um belíssimo jardim de variadas flores. O palacete tinha dois pavimentos ligados por uma imponente escada de pinho de riga, com três lances e um soberbo corrimão. O piso do palacete era também em pinho de riga. Um imenso vitral importado da Europa acompanha a altura da escada trazendo luz natural ao recinto. A parte íntima do palacete ficava no segundo pavimento com seis quartos e um enorme banheiro. No alto da casa, bem abaixo da janela do sótão estava escrito em letras verdes: Villa Amelia. Um visitante que esteve no palacete assim descreveu a sua vista: “Das varandas, dominando a estrada, deixa ver montes e vales em torno, num bucolismo encantador. A vista abrange a capelinha da Santo Antônio, o jardim do Suspiro, as bougainvilles, as magnoleiras, a serpeante orla do rio Bengalas.” (Arthur Guimarães “Um Inquérito Social em Nova Friburgo”, 1916)
No palacete as louças, jarros d’água, bacias e saboneteiras eram todas em faiança portuguesa e tinha o monograma AM, de Antônio Martins, assim como as toalhas, guardanapos e roupas de cama. Periodicamente, Antônio Martins encomendava peças para repor a baixela que quebrava da fábrica portuguesa de porcelanas Vista Alegre. Ainda com relação a atividade econômica da chácara, o mel produzido no apiário ganhou comenda de ouro em Bruxelas, a medalha “Mel Flor de Tojo”. A árvore do tojo Pinto Martins trouxe de Portugal. Foram feitos rótulos com a estampa da medalha de ouro dispostos nos frascos do mel que vendia no seu mercado. Na parte detrás do palacete ficavam dois galpões. No primeiro havia um fumeiro onde eram defumadas as linguiças de porco. Eram penduradas em varais e bem abaixo se queimava a lenha para defumá-las. Plantava eucaliptos na chácara para consumo doméstico e do fumeiro. No outro galpão ficavam a forja e a carpintaria. Na forja havia ferramentas para a lavoura como ancinhos, enxadas, enxós, arado, foices, picaretas, machados, etc. Na carpintaria serra elétrica, torno, bigorna, serrotes, limas, torques, verrumas, grosas, alicates, etc. Um riacho, além de movimentar o moinho, acionava o monjolo que possivelmente pilava o café plantado na chácara.
Antônio Alves Pinto Martins faleceu dia 25 de junho de 1924, com 62 anos, na Vila Amélia. Já a matriarca Carolina Martins faleceu em agosto de 1945, com 82 anos de idade. Apenas um dos filhos tentou dar continuidade a atividade do pai, muitos anos depois de sua morte, mas não logrou êxito. O inventário não foi amigável e na ocasião, o então prefeito de Nova Friburgo, José Eugenio Müller, que se correspondia com Amélia, teve interesse em adquirir a propriedade para instalar no local uma vila operária devido a sua proximidade com a fábrica Filó, que já havia adquirido uma gleba da chácara. O inventário foi concluído em 1947 e os herdeiros ficaram entre a extinção do condomínio e divisão do imóvel ou a sua alienação em hasta pública. Como não houve acordo na partilha, a propriedade foi a leilão em 1951, sendo arrematado por um valor muito aquém do esperado. A Câmara Municipal adquiriu parte das glebas e foi feita a doação do palacete a AFAPE(Associação Friburguense de Amigos e Pais do Educando). Durante muitas décadas, o belo palacete foi alugado ao Estado do Rio de Janeiro e abrigou a 151ª Delegacia de Polícia de Nova Friburgo. No pátio, anexo ao palacete, foi construída a carceragem.
Em 2001, através de requisição da Promotoria de Proteção aos Interesses Difusos e Direitos Coletivos foi realizada uma perícia na carceragem. Tendo em vista os dados colhidos pelo Instituto de Criminalística Carlos Éboli, a carceragem de Nova Friburgo foi considerada insalubre e lesiva a saúde física humana. Em razão disto, a carceragem foi desativada e a delegacia transferida para outro local. Desde então, não houve interesse de pessoa física ou jurídica em alugar ou comprar o palacete, que foi se deteriorando já que a AFAPE não tinha condições financeiras de manter a sua preservação. A prefeitura de Nova Friburgo publicou o decreto n°2.042, em 9 de março deste ano, declarando o palacete, já tombado como patrimônio histórico municipal, de utilidade pública, para fins de desapropriação. Foi uma excelente medida tomada pelo prefeito Johnny Maycon que favorecerá tanto a AFAPE quanto a população de Nova Friburgo pois preservará um importante patrimônio histórico.