Do entrudo a escola de samba: a história do Carnaval em Nova Friburgo
“Salve, Carnaval!/Esperar pelo folguedo/Um ano, não é brinquedo../(…)Enfim, chegou o tal, suspirado carnaval./Cloriforme virgulado, virá ele, com micróbios?/ Digam os sábios ambrosios/ se o sobredito traz mal?/ Se o cujo está constipado/ e preso sobre o costado/conduz a constipação./Dê-se uma polvilhada/ água de seringada/ completa desinfecção.” Esta foi uma das músicas cantadas nas ruas de Nova Friburgo, no carnaval de 1895, ocasião em que grassava epidemias de cólera, varíola e febre amarela no país. Em 1849, uma lei de posturas da Câmara Municipal havia proibido expressamente o entrudo, folguedo carnavalesco em que os foliões lançavam limões-de-cheiro e farinha, uns contra os outros. Limões-de-cheiro eram bolas de cera recheados ordinariamente com água perfumada, mas no carnaval alguns foliões colocavam água e até mesmo urina. Eram três dias de prazer, risos, galhofas, gritos, gargalhadas, alegria, rebuliços, cambalhotas, músicas, danças, pilhérias e o espírito a correr.
No final do século 19, Nova Friburgo era muito frequentada por cariocas que fugiam das epidemias de febre amarela do Rio de Janeiro, durante o verão. A batalha das flores, imitação do carnaval de Nice, na França, era promovida pela elite carioca que veraneava na cidade serrana. Consistia em um desfile de carruagens adornadas com flores de alegorias de animais como cisne e borboleta, em estilo japonês, concha de rosas, caramanchão de folhagens etc. As ornamentações das carruagens eram de uma criatividade triunfante e as senhoras e senhoritas igualmente se ornavam com flores, algumas trajando belíssimo chapéu ornado de elegante catolé de delicadas orquídeas. O préstito de carruagens percorria animadamente as ruas do centro da cidade terminando o desfile na praça do Suspiro numa acirrada batalha, jogando flores uns contra os outros. Subiam pelos ares rosas, camélias, orquídeas e papoulas numa luta renhida entre as carruagens que desapareciam sob uma nuvem de odoríferas flores.
A grande atração eram também os ditos espirituosos, a criatividade da pilhéria, geralmente críticas à administração pública tal como a iluminação, o fornecimento de água e outras situações cotidianas. No carnaval fin de siècle, retumbantes Zé-Pereiras percorriam as ruas, que em um zabumbar contínuo atroavam os ares com os ruídos de suas latas de querosene, destruindo os tímpanos dos foliões. Havia grupos carnavalescos com fantasias que lhes encobria a identidade fazendo igualmente uso de voz em falsete para não serem identificados. O divertimento nesta época era manter-se no anonimato sob máscaras e disfarces, nos três dias de folia, formulando a mesma pergunta aos passantes: “Você me conhece”? Os rapazes preparavam-se ensaiando ditos espirituosos, enquanto as moças, só sorrisos, manejavam os leques com que iriam corresponder aos heróis da folia, confusas ao tentar identificar por detrás das máscaras os seus favoritos. Confetes, serpentinas, pétalas de rosas, versos e a pilhéria fina e delicada estavam “na ponta” nos três dias consagrados ao Rei Momo. As soirées ocorriam nos hotéis com “bailes piramidais”, como se dizia à época. Um fato curioso em Nova Friburgo é que os veranistas costumavam abrir suas residências na segunda-feira, único dia em que não havia bailes nos hotéis, para soirées de carnaval. Enquanto se “descansava” dos bailes nos hotéis, “folgava-se” nas soirées privadas, ironizavam.
No carnaval de todos os tempos, a rua sempre foi o principal espaço de sociabilidade. Passistas eram chamadas de “bailarinas”. Havia inúmeros blocos na cidade como “Manda quem pode”, “Quem e quais são eles”, “Sossega Serpente”, “Bloco do Boi”, “Mamãe eu quero”, “As Camisas Azuis”, “Bloco dos Abandonados”, “Alegres Foliões”, “O Palhaço quem é?”, “Lá vem ela chorando”, “A Lyra da Mocidade”, “Eu sou do Amor” etc. Marujos do Sanatório Naval tinham o bloco “Sossega Leão”. Há o registro dos ranchos “Quem é bom não se mistura” e “As Estrelinhas”. Aproximadamente na década de 1940, os ranchos foram substituídos pelas escolas de samba. Na realidade, a escola de samba herdou a sua estrutura, com a diferença que o rancho tem um ritmo mais lento. As pastorinhas, mocinhas recatadas foram substituídas pelos corpos desnudos das passistas, onde seios e nádegas são expostos em um exibicionismo catártico, simbolizando as pombagiras da religião africana, como definiu o antropólogo Roberto da Matta.
As escolas de samba disputavam as seguintes modalidades: música, harmonia, canto, orquestra, conjunto, maior número de componentes, evolução, elegância, estandarte, fantasia, enredo e “orientação”. A dificuldade era grande, os instrumentos musicais eram feitos com latões da fábrica de carbureto e couro doado pelo curtume de Duas Pedras. Sacrificavam gatos para usar o couro na confecção de instrumentos menores. Outrora, as escolas escolhiam um samba e desfilavam ao ritmo desta música. O compositor da escola de samba surgiria apenas em 1955. Cordões igualmente desfilavam entre os foliões. O nome cordões tem origem no fato de que outrora os foliões ficavam cercados por uma corda para evitar que o público se misturasse à eles. Posteriormente foram sendo denominados de bloco.
Como dito antes, os bailes eram realizados nos grandes hotéis da cidade como o Engert, Central e o tradicional hotel Salusse. Quando foram inaugurados os clubes sociais como o Xadrez, Clube dos 50, Sociedade Esportiva Friburguense e Country Club, estes espaços passaram a promover os eventos carnavalescos substituindo os hotéis. O sucesso dos bailes tanto nos hotéis como nos clubes sociais deve-se à participação dos músicos das sociedades musicais Euterpe e Campesina. Os integrantes destas duas bandas eram responsáveis pela qualidade da boa música e animação dos bailes. Pode-se afirmar que, não fossem os músicos destas sociedades musicais, os bailes de Nova Friburgo não teriam o mesmo brilhantismo. BOM CARNAVAL AOS LEITORES DO SERRANEWS!