As linhas de tiro e o tiro de guerra em Nova Friburgo
O recrutamento militar evoluiu muito no Brasil. Depois dos rapazes serem pegos a laço como animais nas ruas, escolas e festas juninas, passaram a ser cooptados pelo governo de forma mais civilizada. Para a instrução militar, inicialmente foram criadas as linhas de tiro que precederam o Tiro de Guerra, e na prática ambos tinham o mesmo propósito, formar reservistas para a nação. A Linha de Tiro Friburguense foi inaugurada em Nova Friburgo em 15 de agosto de 1909, instalada em uma área na cidade que desconhecemos a localização. Neste local os rapazes recebiam instrução de exercícios militares e tiro ao alvo.
No mesmo dia ocorreu igualmente a solenidade de inauguração da Linha de Tiro Anchieta, no colégio-internato dos Jesuítas em Nova Friburgo. Ambas as linhas de tiro contaram na inauguração com a presença do Ministro da Guerra, general Carlos Eugênio de Andrade Guimarães; de oficiais de seu Estado Maior (Exército e Armada); do presidente da Confederação do Tiro Brasileiro, Elysio de Araújo; e de comissões do Tiro Petropolitano, Tiro do Leme, Tiro Federal, da União dos Atiradores, entre outros. A linha de tiro no Colégio Anchieta se fez necessária em função dos educandários secundários serem obrigados por lei, a partir daquele ano, a formar reservistas dando instrução militar aos seus alunos a partir de 16 anos. O governo federal fornecia o instrutor, armas e munições aos educandários. Sabemos que até o ano de 1922 as escolas secundárias continuavam a formar reservistas.
Como a Linha de Tiro Friburguense foi a vigésima quarta instalada no Brasil era igualmente conhecida como Tiro 24. No ano de 1918 as linhas de tiro no país passam a ser denominadas de Tiro de Guerra. Não se sabe o motivo, mas o professor Carlos Cortes, proprietário do extinto Colégio Modelo passou a abrigar este órgão do Exército em seu educandário. Em 13 de dezembro de 1927 foi inaugurado o Tiro de Guerra 24 nas instalações de seu colégio, que na ocasião funcionava no antigo hotel Leuenroth, na atual rua Leuenroth. Como curiosidade, o Imperador D. Pedro II se hospedava neste hotel em passagem por Nova Friburgo.
Tudo indica que na Revolução de 30, Cortes se apropriou das armas daquele órgão militar para lutar contra o governista Galdino do Vale Filho, na divisa entre o estado fluminense e Minas Gerais. A sede do Tiro de Guerra 24 permaneceu no antigo hotel Leuenroth até o ano de 1938, quando foi transferido provisoriamente para um prédio na rua General Câmara, atual rua Augusto Spinelli, em razão de um incêndio que destruiu suas instalações.
A edificação de uma sede própria do Tiro de Guerra era um desafio, principalmente em razão do início, em 1939, da Segunda Guerra Mundial. Para tanto houve uma mobilização da sociedade friburguense e a senhora Astrodêmia de Moraes fez a doação de um terreno na praça do Suspiro. Uma subscrição empreendida pelo tenente Renato Arnaldo da Silveira Lopes e pelo jornalista Acácio Borges levantou recursos para a construção da sede, com destaque para a senhora Vitalina das Neves, esposa do vereador e coronel Galiano Emílio das Neves Junior pelo generoso montante de doação. Finalmente a sede foi inaugurada em 03 de Outubro de 1942, próxima a histórica fonte do Suspiro.
O governo do estado possivelmente contribuiu com a construção, isto porque foi o governador interventor Amaral Peixoto quem inaugurou a nova sede do Tiro de Guerra 24. Sua esposa Alzira Vargas do Amaral Peixoto, filha do presidente Getúlio Vargas, foi a paraninfa da primeira turma de 3.000 reservistas instruídos na nova sede. O número expressivo de reservistas se explica porque estávamos durante a Segunda Guerra Mundial e o Brasil estava na iminência de entrar no conflito por pressão dos Estados Unidos, como de fato ocorreu. O município de Nova Friburgo enviou 67 soldados para a guerra, provavelmente alguns destes 3.000 reservistas estavam nesta relação. Nesta turma, além de Nova Friburgo havia reservistas vindos dos municípios de Bom Jardim, Cantagalo, Paraíba do Sul, São Fidelis, Bom Jesus de Itabapoana, Miracema, Itaperuna, Campos, Entre Rios, Petrópolis, Teresópolis e até de Niterói, de acordo com o Jornal do Brasil de 6 de outubro de 1942.
No entanto, estranhei que o meu pai, Ayres Jardim Corrêa, nascido em 20 de setembro de 1931, em Itaocara(RJ), assim como seu contemporâneo, o friburguense Vanderley Schwenck tenham se deslocado para o Rio de Janeiro para prestar o serviço militar. Jardim Corrêa era comerciante e Schwenck agricultor, ambos arrimo de família. Em razão de seu trabalho, meu pai tentou se livrar do serviço militar apresentando uma declaração, solicitada ao delegado de polícia Dalmo Freire Barreto, de que era comerciante no local denominado Fazenda da Boa Vista, em Itaocara. Mas não logrou êxito. Foi convocado e serviu como soldado no período de 01 de julho de 1951 a 30 de abril de 1952, no 3° Batalhão de Carros de Combate no Rio de Janeiro.
Outra fato que chamou minha atenção foi a idade de meu pai quando foi convocado, com 20 anos, tardia em relação aos dias atuais. Fica a seguinte questão, por que ele e Schwenck não serviram no Tiro de Guerra 24 em Nova Friburgo? Poder-se-ia supor a suspensão temporária das atividades deste órgão militar, mas não foi o caso pois existe uma imagem de exercícios ginásticos no ano de 1951 de alguns recrutas. A história do recrutamento no Brasil é uma das mais curiosas, e por vezes divertida. No final do século 19, o periódico O Friburguense avisava ao povo quando corria o boato de recrutamento. Os filhos dos agricultores escondiam-se no mato como fugitivos, pois se “laçados” faltaria “braços na lavoura.” Um articulista de O Friburguense na coluna Pif-Paf de 30 de março de 1893, escreveu: “Aviso importante: Vai ser aberto o recrutamento. Previnam-se[…] não saiam à rua os homens marca gigante.”
Janaína Botelho: roteirista, historiadora e professora