Hortas, pomares e criações nos tempos dos quintais
De acordo com o dicionário de Aurélio Buarque de Holanda, quintal é uma pequena quinta, pequeno terreno muitas vezes com jardim ou com horta, atrás da casa. Já a quinta é uma grande propriedade rústica, com casa de habitação. É provável que a palavra quintal desapareça de nossa memória coletiva daqui há algumas décadas. Não existe mais a concepção de quintal nos projetos de arquitetura. Atualmente quando se projeta a área externa, as plantas ornamentais são a preferência nas residências e no máximo existe uma jabuticabeira, árvore nativa eleita pelos paisagistas.
Na história da urbanização de Nova Friburgo, o melhor exemplo de uma quinta é a Vila Amélia, do imigrante português Antônio Alves Pinto Martins. Nascido no Minho em 1862, Antônio Martins casou-se com Carolina Gomes da Rocha e no ano de 1914 mudou-se com a família para Nova Friburgo. Adquiriu uma gleba de terras às margens do Córrego do Relógio que deu o nome de Vila Amélia, em homenagem a única menina entre os seus oito filhos. Construiu na quinta um palacete inaugurado no dia 18 de maio de 1916. Na propriedade havia um pomar com pereiras, macieiras, goiabeiras, canforeiras, jabuticabeiras, laranjeiras, caquis, tojos, bananeiras, pitas e nêsperas. Na várzea, Pinto Martins plantava hortaliças e legumes. Produzia igualmente na quinta queijo, manteiga, mel, linguiça de porco defumada e vinho. Flores como rosas, margaridas, azaléas, orquídeas, palmeirinhas, boca de leão e principalmente cravos eram cultivadas. Boa parte dos produtos da quinta eram comercializados dando origem a uma feira no local.
Duas residências eram consideradas verdadeiras pérolas no centro da cidade, a casa de madame Santana e a de dona Vitalina. A primeira, em frente à prefeitura tinha um belíssimo jardim de camélias e um pomar com variadas frutas. A segunda com um suntuoso pomar deu lugar ao shopping center da praça. Os quintais das residências no centro da cidade se estendiam até a margem do rio Bengalas. Logo, os proprietários podiam se dar ao luxo de possuírem extensos pomares. Até aproximadamente o final do século 19 era muito comum haver nos quintais das residências das elites um pombal. No passado era também comum nos quintais haver um estoque de lenha para o fogão e forno de barro. Nos quintais também se encontravam muitos objetos espalhados e de um modo geral eram bem desorganizados.
Nas casas dos distritos rurais de Nova Friburgo ainda se pode encontrar os tradicionais quintais, como o que vi na residência de Míriam Schuenck, no distrito de Amparo. Possui um pomar com fruteiras, horta com verduras, plantas medicinais e um galinheiro. Uma canaleta atravessa o vasto quintal por onde passa a água vinda da nascente do morro. Havia também um arbusto de café, muito comum nos quintais de quase todas as residências rurais de Nova Friburgo. O pé de café era inicialmente considerado como uma planta ornamental, antes de se tornar no mais importante produto de exportação no Brasil Império. No quintal de Dona Zali no distrito de São Pedro da Serra encontrei salsinha, couve, azedinha, tomate dos índios ou tomate da Índia, uvaia, funcho, alecrim, arruda, saião, hortelã, marcela branca, erva-doce, malva, erva-macaé, pé de fumo(usado para matar fungos), um arbusto de café e um galinheiro.
Era comum haver nos quintais, para consumo próprio, além da criação de galinhas, de porquinhos macau e pirapitinga. Trata-se de suínos de pequeno porte e o primeiro tem origem na Índia, de onde trouxeram os portugueses. É considerado o verdadeiro porco caipira. O porquinho macau se encontra em risco de extinção no Brasil em razão de não possuir valor comercial, já que possui muito mais gordura do que carne, mas produzindo um toucinho de excelente qualidade. O porquinho pirapitinga também perdeu espaço ficando restrito a criação de subsistência. Como estudos recentes indicam que a banha de porco não é prejudicial a saúde, como se supunha anteriormente, o mercado de banha de porco vem crescendo e os porquinhos macau e pirapitinga podem voltar a ser economicamente viáveis.
Nos quintas as árvores frutíferas típicas eram as jabuticabeiras, laranjeiras, goiabeiras, bananeiras e não faltava “um pé” de limão galego e de urucum. O marmelo era outrora muito plantado em Nova Friburgo. Na venda de uma chácara neste município anunciada no Jornal do Brasil em 1916, destacava-se que a propriedade de três alqueires, além de diversas árvores frutíferas possuía um pomar com 400 marmeleiros. Na chácara do Chalet (atual Country Club) foram plantadas pelo proprietário Eduardo Guinle sapucaias, jambeiros, coqueiros, pereiras d’água, pera ferro, marmelo, cerejeira, macieira, caquizeiros, pessegueiros, laranjeiras, ameixeira, goiabeiras, jabuticabeiras, framboeseiras e bananeiras. A jabuticabeira e a sapucaia são as únicas árvores nativas.
Sapucaia cujo fruto é belíssimo vem do tupi e significa “fruto que faz saltar o olho”. Os frutos possuem cascas lenhosas e as sementes se assemelham as castanhas. Era muito apreciada pelos indígenas que ofereciam côcos de sapucaias, andayá, palmitos e “bichos de tacuára” aos colonizadores portugueses como sinal de amizade. Com a introdução pelos portugueses no Brasil do marmelo, figo, pêssego, banana, manga, melão, pera e laranja, para ficar em apenas alguns exemplos, inúmeras frutas nativas deixaram de ser comercializadas e são completamente desconhecidas da população. São exemplos de frutas nativas, além da jabuticaba e da sapucaia, o mocuguê, a pitomba, o araçá, o ibacurupari, o ibanemixama, o imbu, o araticum, o guri, a caía, a iapina, o audá, o ingá, o juá, a maçaramduba, o murici, o ibaraé, etc. Ter quintais como outrora é algo impensável nos dias de hoje. Mas além da jabuticabeira, oxalá que outras árvores frutíferas caiam no gosto dos paisagistas.
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Janaína Botelho: roteirista, historiadora e professora