Serra News
O portal de notícias da Região Serrana do Rio de Janeiro.

Fazenda Gavião: a joia da coroa do Barão de Nova Friburgo

Situado na parte setentrional do vale do Paraíba do Sul, o município de Cantagalo foi um dos primeiros no Brasil Império a migrar sua atividade econômica do garimpo e produção de alimentos para o cultivo do café. Em Cantagalo se afazendaram indivíduos oriundos da capitania de Minas Gerais bem como colonos portugueses da Ilha da Madeira e dos Açores. Um dos que se sentiram atraídos por Cantagalo foi Antônio Clemente Pinto, nascido em 6 de janeiro de 1795, em Ovelha de Marão, Santa Maria de Aboadela, Portugal. Tudo indica que tenha imigrado junto com os seus tios para o Brasil objetivando pleitear terras junto ao governo português, já que vigorava a lei de Sesmarias, em que o monarca doava terras aos que lhe dessem uma atividade produtiva. Em 1819, Antônio Clemente Pinto requereu uma sesmaria em Cantagalo dedicando-se inicialmente a garimpagem do ouro de aluvião nos rios da região. Posteriormente voltou sua atividade para o plantio de café, produto de exportação mais importante no Império e na Primeira República no Brasil.

Antônio Clemente Pinto, além do plantio comercializava o café em Casas Comissárias e exercia atividade usurária. Porém, a sua fortuna advém notadamente do tráfico de escravos. Clemente Pinto consta na listagem de traficantes de escravos no Atlântico entre a costa africana e a cidade do Rio de Janeiro, no período de 1811 e 1830. Como fazia a elite rural da época adquiriu o título de barão de Nova Friburgo, pois já havia um barão de Cantagalo e possuía as fazendas do Cônego, São Lourenço, entre outras propriedades em Nova Friburgo. Em Cantagalo o barão era proprietário das fazendas Gavião, Areas, Santa Rita, Aldeia, Cafés, Macapá, Boa Vista, Boa Sorte, Jacotinga, Mataporcos, Itaoca, Laranjeiras, Água Quente e Boa Fé, as duas últimas em sociedade com o holandês Jacob Van Erven.

Fazenda Areas em Cantagalo. Acervo pessoal
Fazenda Areas em Cantagalo. Acervo pessoal

Por ser a fazenda Gavião e a de Santa Rita uma das mais lucrativas inovou na construção da casa sede. Ao invés da tradicional residência assobradada optou pelo estilo arquitetônico de um palacete. Contratou o arquiteto alemão Karl Frederich Gustave Waehneldt para fazer o projeto e iniciou a construção na década de 1860. No entanto, o barão de Nova Friburgo faleceu em 1869 ficando a obra do palacete inacabada. Os seus dois filhos Antônio Clemente Pinto, futuro conde de São Clemente e Bernardo Clemente Pinto Sobrinho, futuro conde de Nova Friburgo herdaram muitos imóveis, fazendas e 2.183 escravizados. Concluído o inventário, na partilha realizada em 1873 entre os herdeiros, o conde de Nova Friburgo ficou com a fazenda Gavião e o palacete ainda estava em construção. Porém, não executou o projeto original de Waehneldt optando por um estilo mais modesto.

A fazenda Gavião possuía aproximadamente 630.000 arbustos de café. Os irmãos Clemente Pinto, possivelmente tendo informações privilegiadas do fim do trabalho escravo libertou os seus escravizados pouco antes da lei Áurea. Em 22 de abril de 1888, o Voto Livre noticiou que libertaram todos os 1.200 escravizados de suas propriedades. Segundo o jornal, os libertos da fazenda Gavião prometeram ao conde não abandoná-lo e a redobrarem os esforços para servi-lo. A família já vinha contratando colonos portugueses para trabalhar em suas fazendas havendo 24 casas de colonos na Gavião. Como muitos agricultores fluminenses, no último quartel do século 19, o conde foi substituindo a lavoura de café pela criação de gado leiteiro e de suínos. A fazenda Gavião apenas tinha o inconveniente de ter seus edifícios muito afastadas uns dos outros, o que aumentava consideravelmente o trabalho. A disposição do palacete no alto de uma colina oferecia dificuldade de reunião dos prédios. De acordo com um anúncio no Jornal do Commercio de 1887, a fazenda Gavião vendia leite puro levado diariamente para o Rio de Janeiro pelo expresso de Cantagalo, toucinho de primeira qualidade, banha pura de porco, lombo, costela, “cabeças”(de porco), feijão, milho e mais gêneros. Em 19 de julho de 1888, o Correio publicou um pedido de licença à Câmara Municipal de Cantagalo para o conde comercializar queijo, linguiça e gelo. Já no início do século 20 o conde é citado no Almanak Administrativo e Industrial do Rio de Janeiro, como proprietário de uma floricultura, criador, fabricante de aguardente e vendedor de leite.

Correntes e grilhões foram localizados em 1945 na fazenda Gavião. Acervo BN
Correntes e grilhões foram localizados em 1945 na fazenda Gavião. Acervo BN

Conforme a Gazeta de Notícias de 24 de junho de 1883, no artigo “Viagem Imperial”, no dia 22 de junho deste ano, o Imperador D. Pedro II, a imperatriz Teresa Cristina e comitiva hospedaram-se na fazenda Gavião sendo recebidos pelo gentleman farmer conde de Nova Friburgo. Chegaram no início da tarde. Neste dia, em uma parada em Nova Friburgo foram recepcionados pelo seu irmão, o conde de São Clemente. Almoçaram no solar da família, no centro da vila, constando no menu: Crevettes-anchois-olives-radis: beurre frais; galantine à la gelée; garoupa à la hollandaise; filet à la jardinière; chaud-froid de gibier en Bellevue; dinde truffée, salade russe; merengue glacée; fruit et dessert. Como bebidas vinhos Madeira, Lacrima Christi, Porto, Château Laffite, Château Chamberlin e Champagne Veuve Clicquot.

O solar onde D. Pedro II e esposa almoçaram. Acervo Fundação D.João VI
O solar onde D. Pedro II e esposa almoçaram. Acervo Fundação D.João VI

No palacete Gavião foi servido um jantar as 18h, mas infelizmente o jornal não descreveu o menu como fez com o almoço em Friburgo. Nesta ocasião, surpreendentemente o palacete ainda estava em construção, dez anos depois do conde ter recebido o imóvel em inventário. A parte já construída foi descrita pelo jornalista pela sua elegância arquitetônica. No dia seguinte, 23 de junho, D. Pedro II, a imperatriz Teresa Cristina e comitiva ouviram missa as 7 1/2h da manhã na capela do palacete. As 9h depois de um lauto almoço, que na época era neste horário seguiram para a estrada de ferro Santo Antônio de Pádua rumo a São Fidelis. Em 1887, o conde de Nova Friburgo hospedou na fazenda Gavião o escritor português Ramalho Ortigão, prestando-lhe as mesmas honras concedidas aos outros visitantes. Em um passeio visitaram o engenho central, em Laranjeiras(Itaocara), de propriedade da família com outros sócios.

Em outubro de 1913, alunos do internato do colégio Anchieta visitaram a fazenda Gavião, dez meses antes da morte do conde. O Padre Reitor José Madureira agradeceu à senhora condessa Ambrosina Leitão da Cunha a cortesia de franquear a fazenda para o convescote dos alunos do Anchieta. Na fazenda fizeram um acampamento perto da usina de açúcar. Levaram o almoço que consistia em feijoada, carne seca, frango, pastéis, frios, cerveja, doces, bolos, entre outras iguarias. A condessa mandou servir-lhes roletes de cana e garapa gelada.

O conde de Nova Friburgo dilapidou todo o patrimônio que recebera como herança. De acordo com a historiadora Leila Vilela Alegrio, no livro “Os Clemente Pinto. Importantes Cafeicultores do Sertão do Leste Fluminense”, a partir de 1880 o conde iniciou um processo de perda dos bens acumulados até o seu falecimento, quase na “pobreza”. No ano de 1891, o conde viu-se obrigado a vender quatro fazendas, Aldeia, Gavião, Cafés e São Martinho. No entanto, conseguiu salvar a fazenda Gavião. Em 1910, se encontrava em péssimas condições financeiras e fez uso de um empréstimo. Em 1912, já praticamente sem posses, fez novo empréstimo dando como garantia o palacete Gavião hipotecando a fazenda, nos informa Alegrio. O esgotamento do solo, com cafezais improdutivos e a carência de mão de obra atingiu não somente o conde, mas igualmente muitos barões fluminenses. A cultura do café foi substituída pela criação de gado leiteiro que não necessita de muita mão de obra. A fazenda Gavião não tinha um arbusto de café, quando o conde de Nova Friburgo faleceu em 6 de agosto de 1914. Em 13 de abril de 1920, a viúva do conde e herdeiros venderam a fazenda Gavião para Pedro Pitta e Manoel da Motta. Na ocasião, ali funcionava uma fábrica de laticínios arrendada.

O conde de Nova Friburgo dilapidou a sua herança. Acervo internet
O conde de Nova Friburgo dilapidou a sua herança. Acervo internet

Em 23 de abril de 1938, quando o jornalista Escragnolle Doria, da Revista da Semana fez uma reportagem registou imagens da fazenda Gavião e a propriedade se encontrava em bom estado. Porém, na reportagem “Tombou uma Dinastia”, de Zulema Figueiredo, publicada na Revista da Semana de 30 de junho de 1945,  percebe-se que o palacete e seu entorno já se encontrava com “montões de ruínas” e “escombros.” Zulema Figueiredo escreveu:

“...Lá estão abandonadas as gigantescas colunas de pedras, azulejos e ladrilhos de França; estatuetas de mármore feitas em Berlim, lastres de sucupira, ipê e olho vermelho, as nossas melhores madeiras de lei. O espetáculo é de profunda desolação. […] vimos cinco colunas de mármore partidas pelo meio. […] No fundo de um cubículo um calabouço da Era Medieval, pedaços de correntes e grilhões enferrujados…

A jornalista Zulema Figueiredo registrou ainda que duas estátuas que ficavam no alto da fachada do palacete estavam quebradas na altura da cabeça. Relatou que o piso da varanda era de azulejo português, as portas de jacarandá e as bandeirolas de cristal. O teto do palacete, segundo a jornalista foi pintado por um artista francês chamado Bordeaux, professor da Escola de Belas Artes de Paris. Segundo ela a pintura estava inacabada. Possivelmente o pintor era de Bordeaux, na França e não o seu nome. De acordo com a jornalista havia 12 quartos todos guarnecidos com portas de 12 cm de espessura. Os pregos importados da Inglaterra mediam 2 palmos. Ainda segundo ela, os pilaretes de ferro das varandas, os tachos de cobre para fazer doces e outros objetos de fundição em ferro e bronze foram feitos pelos escravizados. Na capela onde D. Pedro II assistiu missa, uma imagem de São Sebastião estava intacta. Vestes sacerdotais em desalinho e furadas cobriam uma parte do altar empoeirado. Em um canto da parede um documento original datado de 03 de janeiro de 1882 assinado por Dom Pedro Maria de Lacerda, bispo do Rio de Janeiro e Capelão Mor do Imperador D. Pedro II, autorizando a família Clemente Pinto a instalar uma capela no palacete.

Destaque para o oratório da fazenda Gavião em 1938. Acervo BN
Destaque para o oratório da fazenda Gavião em 1938. Acervo BN

O palacete Gavião era uma das joias da coroa do primeiro barão de Nova Friburgo. Quando se fez retratar pelo pintor alemão Emil Bauch, na pintura desenrola uma planta onde lê-se “Projecto e Perfil da Estrada de Ferro de Cantagallo”. Igualmente figuram três de suas propriedades favoritas: a maquete do Palácio Nova Friburgo (depois Palácio do Catete, residência da presidência da República, atualmente Museu da República), o palacete da fazenda Gavião e um parque em Nova Friburgo(Country Club). Nos dias atuais a fazenda pertence a Pedro Pitta Filho e segundo relatos, com dificuldade de manutenção da propriedade.

O palacete da fazenda Gavião ao fundo. Acervo Museu da República
O palacete da fazenda Gavião ao fundo. Acervo Museu da República

Janaína Botelho – Serra News

Veja também
error: Conteúdo protegido!