Família Mendes: a elite latifundiária das Terras Frias
O município de Nova Friburgo possui oito distritos: Nova Friburgo (Sede), Riograndina (2°distrito), Campo do Coelho (3°distrito), Amparo (4°distrito), Lumiar (5°distrito), Conselheiro Paulino (6°distrito), São Pedro da Serra (7°distrito) e Mury (8°distrito). Dentre estes quase todos são distritos agrícolas, com exceção do primeiro e do sexto distrito. Campo do Coelho é o que possui o maior número de propriedades rurais e responde pela maior parte da produção agrícola do município. No século 19 era conhecido como Terras Frias, entrada de Nova Friburgo para quem subia a serra. A imagem da subida por tropeiros, com as montanhas dos Três Picos ao fundo está retratada na litografia “Caminho dos Órgãos”, do artista suíço Johann Jacob Steinmann (1800-1844).
Estavam localizadas nas Terras Frias a Fazenda São Lourenço, uma das propriedades do primeiro Barão de Nova Friburgo, e a Fazenda Córrego D’Anta reservada ao Rei D. João VI, quando criou o município de Nova Friburgo. Um rio importante, o rio Grande atravessa toda a extensão das Terras Frias. Este rio nasce no maciço do Caledônia e desce sinuosamente o vale de São Lourenço recebendo em seu curso a contribuição das micro bacias dos Três Picos, Salinas, Santa Cruz, Centenário e Conquista. Por ser o ponto mais alto de Nova Friburgo, com 910 metros de altitude, os proprietários de terras desta região ficaram à margem da economia cafeeira dedicando-se tão somente à produção de gêneros alimentícios. Não se cultiva café em áreas acima de 600 metros do nível do mar, nas denominadas terras frias.
Tudo indica que a principal atividade econômica nas Terras Frias era a criação de mulas, animais de carga que comercializavam com os tropeiros, e notadamente plantação de batatas inglesas. Mas toda propriedade rural tinha suas roças de feijão, milho e abóbora, as duas últimas destinadas a alimentar também os porcos. Foi para as Terras Frias que se dirigiu Antônio José Mendes(1822-1921), originário dos Açores, em Portugal. De acordo com a memória familiar, Antônio Mendes era caixeiro viajante e tornou-se muito próspero, possuindo dois mil alqueires nas Terras Frias. Casou-se com Mariana Rime(1835-1914) e tiveram 12 filhos, dos quais 6 permaneceram solteiros. Os Rime são descendentes de imigrantes suíços e parece terem enriquecido em Cantagalo com o plantio de café, um deles tendo adquirido o título de Barão de Rime.
Em razão de estratégias de casamentos, as novas gerações dos Mendes se unem a uma elite latifundiária como os Barbuda, Veiga, Aguiar e Salles. Observamos adiante o resultado dos arranjos matrimoniais entre essas famílias, como por exemplo, Maria Madalena Mendes(1880-1955), Luiza Mendes Veiga(1863-1939), José Alves da Veiga Barbuda(1856-1922), Leonor Mendes da Veiga(1905-1985), Manoel Veiga(1891-1974), Cypriano Mendes da Veiga(1907-1979) e finalmente José Alves da Veiga Barbuda(1856-1922), casado com Luiza Rime Mendes(1863-1939).
Em razão destas alianças, os Mendes aumentaram significativamente o seu patrimônio. De acordo com a memória oral ampliavam a extensão de suas propriedades através de permuta, trocando pequenas glebas de terras por rolos de fumo ou cortes de tecidos. Pode parecer exagero, mas o que fica salientado é que a ampliação de suas propriedades era por intermédio de escambo. Como o dinheiro mal circulava nas Terras Frias, predominando internamente o escambo, negociavam dentro dos padrões e práticas da época. O prestígio social de possuir grandes domínios levava estes proprietários a ampliar ainda mais a extensão de seus latifúndios. No último quartel do século vinte, os Mendes organizaram um espaço para comercialização dos produtos da lavoura dos pequenos e médios agricultores das Terras Frias, o Barracão dos Mendes.
Entre as propriedades rurais dos Mendes destaco a fazenda Rio Grande, cuja casa sede possivelmente data do final do século 18, o mais antigo patrimônio histórico de Nova Friburgo. A fazenda Rio Grande foi sendo paulatinamente desmembrada e alienadas suas glebas dando origem a outras propriedades rurais de menor dimensão. Havia duas glebas nesta fazenda denominadas de Serra Nova e Serra Velha onde estavam instaladas 66 famílias colonas colocadas à venda pela família Mendes. Alguns interessados vinham ver as propriedades aumentando cada vez mais a apreensão entre os colonos sobre o seu destino, caso a alienação se efetivasse. Porém, o fato de haver muitos colonos na propriedade dificultou a venda. Foi quando os proprietários propuseram alienar as glebas Serra Nova e Serra Velha aos próprios colonos, com a interveniência do Fundo de Terras e da Reforma Agrária e financiamento do Banco da Terra, que tinha um programa de linha de crédito fundiário.
Para efetivação da reforma agrária o Conselho Municipal de Desenvolvimento Rural Sustentável teria que certificar que a propriedade possuía condição necessária para ser explorada na atividade agrícola. Como já havia colonos há muitas décadas cultivando nestas propriedades, preencheram de imediato a condição. Para adquirirem a propriedade, os colonos criaram duas associações, a Associação Serra Nova dos Trabalhadores Rurais do Município de Nova Friburgo, com 22 famílias e a Associação Serra Velha de Trabalhadores Rurais do Município de Nova Friburgo, com 26 famílias. Nem todas as famílias colonas se interessaram pela compra. O financiamento feito aos produtores rurais deveria ser integralizado no prazo de vinte anos, em parcelas anuais e sucessivas, sendo o valor das prestações pago em conjunto pelos agricultores das respectivas associações.
No ano de 2022 integrariam o pagamento da última parcela. A gleba Serra Nova da Fazenda Rio Grande tem a dimensão de 220 hectares. Já a de Serra Velha possui 261,2 hectares. Na reforma agrária, o fracionamento da propriedade se fez respeitando a ocupação dos lotes pelos colonos alicerçado nos contratos anteriormente realizados com os proprietários. Logo, as frações não eram de igual dimensão e cada família se tornou proprietária da área no qual já se encontrava estabelecida. Alguns questionaram este modelo de divisão alegando que as áreas deveriam ser demarcadas na mesma dimensão, já que pagariam valor idêntico. No entanto, mancomunou-se entre a maioria dos associados, que cada família colona se manteria nas terras onde já cultivavam, ainda que umas fossem maiores do que as outras e as prestações iguais.
A aquisição estava condicionada aos produtores rurais residirem no imóvel, dessem uma atividade produtiva à sua fração explorando-a economicamente, cumprissem a legislação ambiental e se comprometessem a não venderem, gravarem, cederem ou transferirem a terceiros. A culminância de interesses convergiu na reforma agrária pacífica, manteve a produção agrícola de expressivo número de agricultores familiares e evitou o êxodo rural. O decreto estadual n°64 de 1938 mudou o nome do distrito Terras Frias para Campo do Coelho, por razões desconhecidas. Alguns membros da família Mendes mantém propriedades rurais produtivas neste distrito, mantendo a tradição familiar de produtores rurais. O barracão dos Mendes foi substituído pelo Ceasa, que comercializa produtos da lavoura de Nova Friburgo, Sumidouro e Teresópolis.
- Janaína Botelho: roteirista, historiadora e professora
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