A cantora lírica Bidu Sayão: o rouxinol do Brasil
Nascida em 11 de maio de 1902, no Rio de Janeiro, Balduína de Oliveira Sayão, conhecida como Bidu Sayão, foi uma das mais célebres cantoras líricas no século 20. Sua relação com Nova Friburgo decorre do fato de seus ancestrais terem sido um dos primeiros habitantes da vila. Sua bisavó era a suíça Marianne Joseph, que veio com os colonos suíços para Nova Friburgo, no princípio do século 19. Marianne casou-se com o francês Guillaume Marius Salusse que viera para Friburgo curar-se possivelmente de uma tuberculose pulmonar. Naquela época, acreditava-se que o clima frio e seco de Nova Friburgo favorecia a cura de diversas doenças, a exemplo da tuberculose. Guillaume Salusse instalou inicialmente uma pousada para receber doentes, que se tornaria um dos mais importantes hotéis na vila, o Hotel Salusse. O casal Salusse através de arranjos matrimoniais casou suas filhas com homens muito ricos tornando-se todo o clã uma das famílias mais abastadas e influentes no município.
Bidu Sayão neste tronco familiar era filha de Maria José Teixeira da Costa de Oliveira Sayão, mais conhecida como Mariquinhas, e de Pedro Luiz Oliveira Sayão, falecido quando Bidu era ainda criança. De família tradicional, chocou a mãe quando declarou sua intenção de ser atriz. No entanto, quando Bidu alcançou a fama, sua mãe seria sua eterna companheira, sempre ao seu lado em suas apresentações. Como provavelmente Bidu Sayão demonstrasse pendores artísticos, o seu tio Alberto Teixeira da Costa encaminhou-a a uma professora de canto. Médico e musicista, Alberto comporia futuramente várias músicas para a sobrinha, entre elas “O Canto da Saudade” e “O Luar de Minha Terra”, numa referência a Nova Friburgo. Musicou igualmente com belíssima melodia o célebre soneto de seu primo Júlio Salusse, “O Cisne”.
A formação de Bidu Sayão se inicia com aulas de solfejo e impostação de voz com a professora romena Elene Theodorini. Aos 17 anos fez sua estreia profissional em Roma, em O Barbeiro de Sevilha, de Rossini. Por intermédio desta professora, com 18 anos de idade, cantou no palácio da rainha da Romênia, em Bucareste, numa recepção a Hirohito, então príncipe herdeiro do Japão. Bidu Sayão declarou em uma entrevista a revista O Cruzeiro que esse fora um grande momento em sua vida. Em Roma, ainda no princípio de sua carreira se recordaria com emoção da récita de gala na noite de casamento do príncipe italiano Umberto com a princesa Maria José, da Bélgica. Nessa ocasião cantou Don Pasquale, de Donizzetti, e nada menos que Mussolini estava presente nessa cerimônia.
Estudou canto na França com o célebre tenor Jean de Reszke, um dos mais competentes e requisitados mestres do “bel canto”. Foi ele quem descobriu que ela era uma soprano-ligeira extraordinária. Desde então, a carreira de Bidu Sayão, que duraria 44 anos foi intensa e ininterrupta, representando inúmeros papéis importantes da arte lírica. Entre as décadas de 1920 e 1930 se apresentou no Opera em Paris, Milão, Roma, Buenos Aires e Nova York, no Town Hall. Como soprano lírica, Bidu Sayão cantou nas maiores produções de ópera, a exemplo de As Bodas de Fígaro, La Traviata, Lucia di Lammemoor, O Barbeiro de Sevilha, Don Giovanni, Dom Pasquale, La Serva Padrona, L´Elisir d`Amore, Sonambula, O Guarani, entre outras. Favorita de Heitor Villa Lobos estabeleceram uma parceria artística onde ela cantou, entre outras obras, Floresta do Amazonas e Bachianas Brasileiras.
Na ópera, pode realizar seu sonho antigo de interpretar papéis cênicos. Em Rigoletto, de Verdi foi Gilda; em La Bohème, de Puccini foi Mimi e em 1931 foi convidada pela Opera de Paris para ser Julieta em Romeu de Julieta, numa adaptação operística de Charles Gounod sobre a obra de Shakespeare. Declarou que a personagem que mais gostava de representar era Mélisande em Pelléas et Melisande, de Debussy. Em entrevista, Bidu Sayão revelou que detestava fazer papéis de camareirazinhas infelizes, sofredoras, meninotas apaixonadas e frágeis. Seu desejo era cantar Tosca e Butterfly, ambas de Puccini. Diferentemente de outras cantoras, especializou-se somente em vinte óperas, para preservar a sua voz. Miúda, delicada e elegante jamais se conformaria com a ditadura da gordura. Achava mentirosa a lenda de que a obesidade era proporcional ao tamanho da voz.
Pa
ra se ter uma ideia da importância desta cantora lírica, no Metropolitan Opera House, em Nova York, na galeria dos grandes nomes de cantores de ópera de várias épocas, encontra-se um quadro a óleo da brasileira Bidu Sayão. Integrou o casting do Metropolitan entre os anos de 1937 e 1952. Os críticos chamavam-na de “o rouxinol do Brasil.” A leveza e a pureza do timbre de sua voz e a sua maneira de cantar faziam dela a intérprete ideal para papéis nas óperas de Rossini, Verdi e Puccini. Declarou que outro momento importante em sua carreira foi quando cantou Demoiselle Élue, no Carnegie Hall de Nova York. Bidu Sayão sentia-se em casa nos Estados Unidos sendo muito querida por todos, disse em certa ocasião. Como toda sua carreira foi nos Estados Unidos, isso criou um certo ressentimento no meio lírico no Brasil. Talvez seja por isso que numa reforma realizada no Teatro Municipal do Rio de Janeiro, em 1976, a placa e o busto de Bidu Sayão, que estavam lá desde 1927 foram retirados. Ela cantara no Teatro Municipal do Rio de Janeiro quando tinha 18 anos de idade. O tributo de sua placa e busto foram recolocados em 1993, por determinação do Secretário de Cultura do Estado, Edmundo Moniz.
Atribuiu-se a sua ausência no Brasil a uma violenta vaia que recebeu no Teatro Municipal. A responsável teria sido a ciumenta Gabriela Besanzoni Lage, uma das mais fantásticas Carmens, que perdera seu posto para a nova diva Bidu Sayão. Ainda que negasse veementemente, Bidu Sayão cultivou um indisfarçável ressentimento com o Brasil. Esta relação confusa com seu país natal se tornou evidente nos anos 80. Os luxuosíssimos figurinos de seu acervo pessoal usados nas óperas foram doados aos Estados Unidos. Declarou que o Teatro Municipal do Rio de Janeiro não tinha estrutura para manutenção do seu acervo e as roupas se perderiam ou ficariam danificadas. Mais uma vez seria tachada de americanizada pelos impávidos guardiões da brasilidade.
Na Segunda Guerra Mundial foi aos campos e hospitais como voluntária cantar para os soldados norte-americanos. Colaborou tanto no esforço de guerra que recebeu a Ordem de Mérito dos Estados Unidos e o Certificado de Honra da Cruz Vermelha, distintivos da Marinha e da Aviação americanas. A carreira de Bidu Sayão foi completamente tecida no exterior. Aos brasileiros concedeu meia dúzia de récitas e alguns discos que gravou. No entanto, se irritava quando duvidavam de seu fervor pátrio. Se de um lado jamais utilizou a música para se travestir de Embaixadora do Brasil nos Estados Unidos, por outro jamais se naturalizou norte-americana. Sua vida amorosa igualmente estivera intimamente ligada ao palco. Casou-se pela primeira vez com o empresário do ramo de espetáculos, Walter Mocchi. Na segunda vez casou-se com o famoso barítono Giuseppe Danise. Em ambos os matrimônios não teve filhos.
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De família de classe alta, aliado a dois casamentos com homens ricos, Bidu Sayão cultivava hábitos sofisticados e caros comprando joias e peles aos borbotões. Passava a maior parte do tempo em seu luxuoso apartamento na Broadway. No verão, ficava em sua residência em Lincolnville, no Maine, na fronteira entre os USA e o Canadá onde tinha nessa propriedade uma praia particular, floresta com riacho e jardins esplendidos. A crítica não cansou de tecer loas às suas interpretações. Bidu foi uma espécie de Carmen Miranda do Canto Lírico. Sua estreia no Metropolitan Opera House, como a Manon, de Massenet, teve transmissão radiofônica em todo Brasil. Em sua terra natal recebeu a alcunha de Pequeno Rouxinol. Bidu Sayão manter-se-ia como artista exclusiva do Metropolitan até 1953. No auge do prestígio em 1945 foi escolhida pelos melômanos, os apaixonados pela música, a segunda mais popular cantora de ópera dos Estados Unidos. Dizia-se que sua voz possuía um timbre de opalescência leitosa, clareza de dicção e sua interpretação estilo, requinte, doçura e feminilidade fascinante. Em 1955, numa noite inesquecível no Hollywood Bowl cantou as Bachianas Brasileiras n° 5. Heitor Villa Lobos a pedido dela, substituiu o violino de As Bachianas por sua voz.
Aos 55 anos de idade Bidu Sayão resolveu parar de cantar. Retirou-se dos palcos em pleno apogeu. O Metropolitan Opera House lhe fez uma homenagem comemorando os 50 anos desde a sua estreia naquele teatro, no ano de 1937. Sua última vinda ao Brasil foi para desfilar na escola de Samba Beija-Flor que lhe prestou uma homenagem, em 1995, com o enredo “Bidu Sayão e o canto de cristal”. Depois de muitas rogativas aceitou desfilar na avenida aos 93 anos de idade no carro alegórico Cisne Negro. Bidu Sayão teve um fim solitário, marcado por sucessivos desastres. Quando deixou de cantar declarou que finalmente conseguira a sua alforria: poderia fumar e tomar os seus adorados coquetéis. Porém, como não havia mais o assédio da imprensa, a solidão foi uma presença constante. Sobreviveu a dois acidentes vasculares celebrais. Depois da perda do marido em 1963, sua bela mansão à beira-mar pegou fogo, em 1969.
A nova residência construída na mesma região foi assaltada e literalmente esvaziada. Três anos depois da morte de Danise perdeu a mãe, sua grande companheira, que falecera aos 90 anos de idade. Bidu Sayão sentiu muito a sua morte perdendo 18 quilos e entrou em depressão profunda. Em todas as ocasiões em que era homenageada ou em momentos de intimidade, a presença de Dona Mariquinhas era constante, companheira inseparável. Bidu Sayão faleceu de complicações de uma pneumonia em 13 de março de 1999, aos 96 anos de idade, nos EUA. Sua companheira no leito de morte foi a enfermeira Hazel Iata, que era sua guardiã há muitos anos. Deixou instruções para que não houvesse nem funeral e nem flores e que o seu corpo fosse cremado e as cinzas espalhadas pelas águas da baía em frente à sua residência, na primavera americana.
- Janaína Botelho: roteirista, historiadora e professora
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