Carros antigos: paixão pela história do automobilismo
Entre os dias 21 e 22 de maio deste ano foi realizada a vigésima edição da ACANF, Associação de Carros Antigos de Nova Friburgo, no Colégio Anchieta. Fui cobrir pela Serranews este evento, considerado como parte integrante do calendário oficial da Secretaria de Turismo de Nova Friburgo. Entrevistei Marco Antônio Pereira Franco, presidente da ACANF, fundada em janeiro 1995, por um grupo de amigos aficionados em carros antigos. De acordo com o presidente, atualmente a associação tem um pouco mais de 60 sócios, que possuem um ou mais automóveis de diversos modelos, desde a década de 1920 até 1990. Segundo ele, para ser considerado um carro antigo tem que ter no mínimo 30 anos. A Mostra acontece anualmente, na terceira semana de maio em função do mês de aniversário de Nova Friburgo. Clubes de motos antigas igualmente participam da associação, assim como colecionadores de bicicletas raras, de miniaturas e de objetos antigos como rádios, telefones, etc.
Marco Antônio Franco me informou que o evento traz muitas divisas para o município e na última edição vieram a Nova Friburgo 32 clubes de colecionadores de diversos estados do país movimentando os hotéis e o comércio local. Geralmente fazem arrecadação de alimentos e roupas para serem distribuídos entre as entidades filantrópicas e no último evento conseguiram 5 toneladas de alimentos onde circularam cerca de 8.000 pessoas. No entanto, segundo ele, a prefeitura não deu qualquer apoio e todos os custos foram arcados pela associação. Perguntei ao presidente sobre a dificuldade enfrentada por um colecionador de carros antigos e ele disse ser a manutenção, principalmente na reposição de peças. Atualmente são raras as indústrias que ainda fabricam peças para estes automóveis antigos. Outro fator é que o mecânico tem que ser especializado e suas agendas estão normalmente lotadas.
Entrevistei um dos associados da ACANF, que possui o mais precioso acervo de automóveis da década de 1920, que optei por não o identificar. Além de ser um apaixonado por carros antigos é ao mesmo tempo pela história do automobilismo e nos traz interessantes informações. Segundo ele, a tecnologia na indústria automobilística avançou muito na Primeira Guerra Mundial (1914-1918). Até mesmo as mulheres passaram a guiar automóveis, isto porque não era mais necessário o uso da manivela para acionar o motor, bastava apertar um botão e o veículo saía em movimento. Ainda segundo ele, a Ford Motor Company alavancou a venda de automóveis, através do seu icônico “modelo T” pois oferecia simplicidade mecânica, facilidade de reparo e reposição de peças, que podiam ser compradas por catálogo, bem como um criativo sistema de financiamento que aceitava até animais como parte da entrada de pagamento pelo carro. Nos anos 1920 ocorreu o fortalecimento da General Motors (marcas Chevrolet, Pontiac, Oakland, Oldsmobile, Buick e Cadillac) como grande competidor da Ford (marcas Ford e Lincoln), assim como a criação da Chrysler (marcas Dodge-Brothers, Plymouth, DeSoto e Chrysler). Além destas grandes montadoras havia outras dezenas de marcas, para variados segmentos do mercado como a Studebaker, Packard, Hudson, Nash, Marmon, Graham-Paige, Hupmobile, entre outras.
De acordo com este colecionador a Ford estabeleceu uma montadora em São Paulo em 1919, seguida pela General Motors no ano de 1925. Nesta época, os automóveis eram fabricados nos EUA e chegavam ao Brasil semidesmontados. Nas fábricas nacionais ocorria o processo de montagem e regulagem final de funcionamento. Nos anos de 1920, diferentemente dos EUA, a indústria automobilística europeia tinha foco apenas no mercado de luxo dando menor atenção à produção de massa. Após esta aula de história sobre a indústria automobilística, este associado da ACANF relaciona os automóveis dos anos de 1920 de sua coleção. Possui um Chevrolet 1928, modelo National, carroceria Touring, motor 4 cilindros. A marca de entrada da General Motors foi o Chevrolet, veículo de preço mais acessível. Este modelo foi o primeiro Chevrolet equipado com freios nas quatro rodas, isto porque até 1927 só havia freios nas rodas traseiras em razão do receio de que os freios dianteiros pudessem causar o capotamento do carro ao serem acionados. A carroceria Touring foi muito popular no Brasil, pois era um carro aberto (conversível) de 4 portas. No clima tropical do país eram as carrocerias preferidas dos consumidores deste produto. Além disto, os carros de carroceria fechada (Sedan) eram em geral mais caros. Em 1928, a Chevrolet pela primeira vez superou em vendas a Ford.
Outro carro de sua coleção é o Ford 1928, modelo A, carroceria Phaeton, motor 4 cilindros. Líder da indústria automobilística mundial durante as décadas de 1910 e 1920, a Ford decidiu parar de fabricar o obsoleto “modelo T” em 1927, após 19 anos de produção e 15 milhões de unidades vendidas. Em 1928, a Ford lançou um automóvel totalmente moderno, que foi absoluto sucesso de vendas em todo o mundo e produzido até 1931, com quase 5 milhões de unidades vendidas em apenas 4 anos de fabricação. Este modelo competia diretamente com a Chevrolet e possuía menor preço, o que alavancava as suas vendas. A carroceria Phaeton era similar ao Touring, sendo apenas um pouco mais curta e igualmente conversível de 4 portas. Este automóvel pertenceu a Carlos Jacob, um dos fundadores da ACANF, que foi completamente restaurado por ele, tendo sido vendido após o seu falecimento para um colecionador de Teresópolis e posteriormente de São Paulo. Porém, retornou a Nova Friburgo no ano de 2020, pela aquisição do colecionador entrevistado. Este carro ostenta uma placa na sua parte dianteira com a denominação ACANF-01 por ter sido o primeiro veículo inscrito na associação.
Outra preciosidade da coleção é o Dodge-Brothers 1929, modelo Six, carroceria Brougham (Sedan duas portas), motor 6 cilindros. A marca Dodge-Brothers criada em 1914 pelos irmãos John e Horace Dodge foi comprada em 1928 pela Chrysler. No ano seguinte, os carros da marca passam a ter a aparência externa um pouco mais moderna e similar aos carros da Chrysler. Este veículo, com estofamento de tecido era extremamente confortável e ágil. A carroceria Sedan 2 portas acomodava melhor os passageiros protegendo-os da chuva e da poeira, comum nas estradas sem pavimentação daquela época. Outro carro de sua coleção é o Hudson 1929, modelo Super Six, carroceria Sedan, motor 6 cilindros, um veículo extremamente rápido. Possuía uma carroceria Sedan 4 portas bem ampla, acomodando facilmente 6 passageiros. O interior do veículo é acarpetado e tem assentos em casimira, oferecendo conforto e luxo.
A sua coleção inclui o Chrysler 1929, modelo 75, carroceria Roadster, motor 6 cilindros. Esse modelo ficou famoso na época por sua alta velocidade, a ponto de obter boa colocação na famosa corrida de automóveis das 24 horas de Le Mans, em 1929, até hoje realizada na França. Sua carroceria Roadster é de um carro esporte, com dois lugares e conversível. Apresenta um assento extra para mais dois passageiros em uma tampa traseira, conhecido como “banco da sogra”, pois era de difícil acesso e não era coberto, ou seja, ficava no tempo, na chuva e sol. Este carro apresenta um farol direcional ao centro do para-choques dianteiro, que se movimenta conforme o carro faz as curvas.
Finalmente na sua coleção o valiosíssimo Marmon 1929, modelo 78, motor 8 cilindros em linha, carroceria Touring Speedster, motor 8 cilindros. A marca Marmon era famosa por seus carros de luxo e mecânica avançada e confiável. Em 1911, o carro vencedor da primeira corrida Indy 500, famosa nos EUA foi um Marmon. No entanto, a montadora não resistiu a crise financeira da bolsa de 1929, pois estava focada no mercado de luxo, encerrando em 1933 suas atividades. Este carro passou por completa restauração nos últimos três anos e os serviços foram totalmente realizados por profissionais de Nova Friburgo. A grande carroceria Touring Speedster é um conversível esporte de 4 portas, bem ao gosto da aristocracia do final dos anos 1920 e similar ao usado pelo Mr. Gatsby no romance de Scott Fitzgerald.
Entrevistei ainda Rogério Albertini, aposentado do Correios e que faz parte da associação, o que demonstra, ao contrário do que se imagina, que a ACANF não é um clube de elite. O primeiro carro antigo que Albertini adquiriu foi um fusca 1962, 1.200 e que restaurou todo o motor para colocá-lo rodando novamente. Depois adquiriu uma kombi corujinha 1973, e a seguir uma Brasília de quatro portas 1979, muito rara porque foi feita especialmente para taxistas e com poucas unidades. Por fim conseguiu comprar uma kombi corujinha de carroceria 1975. Albertini se esforça para manter os seus carros, mas a paixão supera a dificuldade financeira pois como disse “carro parado não anda”. Segundo ele, tem um prazer imenso de dirigir carros antigos e encontrar os amigos que tem o mesmo interesse.
De acordo com minhas pesquisas quem possuiu o primeiro automóvel em Nova Friburgo foram os Jesuítas do colégio Anchieta, em 1911. A Mostra de carros antigos de Nova Friburgo está entre os três mais importantes eventos do calendário da Federação Brasileira de Automóveis Antigos. Marco Antônio Franco está otimista pois tem aparecido continuamente muitos jovens querendo se associar com carros que herdaram do avô ou mesmo porque adquiriram um modelo antigo e desejam conhecer mais sobre eles e trocar informações. O presidente espera que o poder público municipal olhe para a ACANF com mais atenção dando apoio, já que o encontro que promove traz renda para o município e faz parte do calendário de eventos da Secretaria de Turismo.
- Janaína Botelho: roteirista, historiadora e professora
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