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Passagens da princesa Isabel em Cantagalo e Nova Friburgo

Em ata da 4ª sessão ordinária da Câmara Municipal de Nova Friburgo realizada em 21 de novembro de 1868 ficou registrado: “…Como já sabeis, fomos honrados com a Augusta visita de SS. AA. Imperiais, por essa ocasião autorizamos ao sr. fiscal fazer certos serviços para embelezamento da vila a fim de recebermos os Augustos hóspedes.” No final do mês de maio daquele ano, a princesa Isabel e  seu marido o Conde D’Eu estiveram na vila de Nova Friburgo. Os moradores limparam as testadas de suas residências, iluminaram suas frentes durante a estada dos augustos príncipes e a Câmara Municipal, além do serviço de embelezamento caiou seu edifício, a cadeia, recolheu os animais soltos e festejos variados foram realizados na vila. A princesa foi homenageada com o nome de uma praça e o conde de uma rua. Posteriormente na Proclamação da República, de praça Princesa Isabel passou a chamar-se praça 15 de Novembro e por ocasião da Revolução de 30, praça Getúlio Vargas alterando o seu nome de acordo com os ventos políticos.

Princesa Isabel, por J. Courtois. Acervo BN.
Princesa Isabel, por J. Courtois. Acervo BN.

 De acordo com o Jornal do Brasil, a princesa Isabel e o Conde D’Eu subiram a cavalo a serra no dia 28 de maio com uma comitiva, rumo a vila de Nova Friburgo. Após percorridas 3 léguas chegaram a um local de belíssimo panorama avistando-se com nitidez o Corcovado, a Tijuca e o Pão de Açúcar onde fizeram um piquenique, muito comum à época. A princesa chegando a vila de Nova Friburgo achou-a “muito bonitinha”. Hospedaram-se no solar de Antônio Clemente Pinto, primeiro Barão de Nova Friburgo, em frente à praça que passou a ter o seu nome. Visitaram a Câmara Municipal onde viram uma foto do Imperador D. Pedro II rodeado de velas, “como se fosse um altar”. Tudo indica que a Câmara ainda estava instalada no château, antiga casa sede da fazenda do Morro Queimado, hoje no local o colégio Anchieta.

A princesa Isabel e o marido se hospedaram no solar do Barão de Nova Friburgo. Acervo FDJ VI
A princesa Isabel e o marido se hospedaram no solar do Barão de Nova Friburgo. Acervo FDJ VI

No dia seguinte, o Barão de Nova Friburgo recebeu a princesa e o conde no chalet de sua chácara (hoje country club), igualmente de sua propriedade, para apreciar o parque projetado por Glaziou, o paisagista do Imperador. O barão faleceu um ano após esta visita, no Palacete Nova Friburgo no Rio de Janeiro, aos 74 anos de idade. Os habitantes da vila ofereceram uma recepção, seguida de um baile, no hotel Leuenroth onde se dançou valsas e polcas. O coronel Galiano Emílio das Neves tocou rabeca(violino) que foi lembrado pela princesa ao relatar posteriormente este passeio. No dia seguinte, a comitiva foi a cascata Pinel lá chegando após duas horas e meia de cavalgada. A baronesa de São Clemente ofereceu uma aquarela da cascata como mimo a princesa amazona.

O coronel Galiano das Neves tocou rabeca para a princesa Isabel. Acervo W.S. das Neves
O coronel Galiano das Neves tocou rabeca para a princesa Isabel. Acervo W.S. das Neves

A cascata Pinel, um dos mais belos poéticos recantos de Nova Friburgo, era lugar de passeio de veranistas em convescotes e picnic. O nome da cascata tem origem em Charlie Pinel, proprietário das terras onde ela se situava. Era filho de Philippe Pinel, médico francês considerado o pai da psiquiatria, por sua atuação no Hospice Salpêtrière e pelo tratamento mais humano aos portadores de doenças mentais. O botânico Charlie Pinel veio para o Brasil estabelecendo-se em Nova Friburgo na terceira década do século 19. Encantado com a pujança da natureza de Nova Friburgo adquiriu uma propriedade em 1842, que passou a ser denominada de “Fazenda dos Pinéis”. De acordo com a memória familiar, Pinel não comprara e sim recebera, por doação, estas terras de D.Pedro II. Casou-se com a colona suíça Marianne-Catherine Rimes com quem teve oito filhos. Pinel foi também um dos responsáveis pela implantação da maçonaria em Nova Friburgo. No entanto, vivia da atividade agrícola, pastoril e colecionava orquídeas.

Cascata Pinel, lugar de passeio de veranistas no século 19. Acervo Instituto Moreira Sales.
Cascata Pinel, lugar de passeio de veranistas no século 19. Acervo Instituto Moreira Sales.

Neste passeio à cascata Pinel no ano de 1868, nos informa o periódico O Nova Friburgo de 1935 que a princesa Isabel ofereceu à embaixada chilena, uma “festa campesina” tendo sido construídas na sua proximidade barracas de pinho envernizadas. Nesta ocasião, Charlie Pinel fez gravar em um dos granitos que atalaiam a cascata, em homenagem à princesa, a seguinte inscrição, “Cascata Santa Isabel”.  No regresso à vila de Nova Friburgo se encontraram com Ana Madalena Vogel, ama de leite do falecido príncipe Dom Afonso, irmão da princesa, que ganhou da comitiva como presente um tucano. Pelo seu serviço como ama de leite, Ana Vogel fora contemplada com uma pensão em 1846. Na vila a princesa fez uma parada na afamada Fonte do Suspiro, bebendo água fresca em uma de suas três bicas que evocam o amor, a saudade e o ciúme. Já o conde foi conhecer o notório colégio do inglês John Henry Freese, o Instituto Colegial de Nova Friburgo, localizado onde hoje é o colégio Nossa Senhora das Dores. O conde assistiu as aulas de álgebra e filosofia indicando os pontos que os alunos deveriam ser examinados. O prof. Freese em deferência a visita crismou o estabelecimento de Dona Isabel.

A princesa Isabel visitou a fonte do suspiro, foto de 1886. Acervo W.S.Neves
A princesa Isabel visitou a fonte do suspiro, foto de 1886. Acervo W.S.Neves

No domingo do dia 31 houve um outro baile e partiram na manhã seguinte bem cedo para o município de Cantagalo. Depois de percorridas dez léguas de viagem se hospedaram na fazenda Val de Palmas, do potentado Joaquim Félix da Silva, sogro de Paulino José Soares de Sousa, filho do Visconde do Uruguai, conhecido como Conselheiro Paulino, que deu nome a uma estação de trem e distrito em Nova Friburgo. Nesta estadia assistiram na fazenda todo o processo de produção  do café como lavagem, secagem, separação dos grãos, ventilação e a forma de despolpá-lo. Em 02 de junho partiram acompanhados de um cortejo de aproximadamente 300 cavaleiros. Chegaram a Cantagalo depois de duas horas de viagem, município tão importante no Império para a economia nacional, pela sua contribuição na exportação de café, que foi erigido a categoria de cidade.

Reprodução de Cantagalo no século 19. Acervo pessoal.
Reprodução de Cantagalo no século 19. Acervo pessoal.

Cantagalo apresentava uma iluminação feérica, com muita música e vivas constantes, escreveu o articulista. Mas a princesa não achou a cidade bonita e ressaltou que era mal localizada, dentro de “um buraco.” O Conde d’Eu visitou a fonte Mão de Luva, possivelmente a mesma que se encontra hoje na praça dos Melros. Foram a igreja Matriz rezar e após houve um almoço junto a cascata do Ronca Pau. Uma fotografia da princesa Isabel e sua comitiva em um almoço, sob um teto de sapê era atribuída a uma visita dela no campo de batalha da Guerra do Paraguai. As pesquisadoras Mônica Carneiro e Lia Jordão em artigo publicado na Revista de História da Biblioteca Nacional, em 2014, esclareceram que a foto foi tirada em Cantagalo e não no Paraguai. Possivelmente foi neste almoço, próximo a cascata do Ronca Pau que a foto foi tirada. Mas na minha opinião pode ter sido na cascata Pinel, pela descrição dada pelo periódico do local da refeição.

Hospedaram-se a princesa e o conde na fazenda Areas, também propriedade do primeiro Barão de Nova Friburgo, estando acompanhados de seus dois filhos Antônio Clemente Pinto, Conde de São Clemente e Bernardo Clemente Pinto Sobrinho, Conde de Nova Friburgo. À noite assistiram a um batuque, lundu e fado que divertiu muito a princesa, registra o articulista. No dia seguinte o grupo seguiu para a fazenda Itaoca dos mesmos condes, “a fim de partilhar das emoções de uma derrubada” da mata, para o plantio de arbustos de café. Vou transcrever o trecho de um artigo meu sobre o “espetáculo” da devastação da Mata Atlântica, que a princesa foi convidada a presenciar.

Nos meses frios de maio, junho e julho perto do fim da estação seca, camaradas eram contratados para a derrubada da mata. Com o machado em uma das mãos e o tição na outra, trabalhando de baixo para cima a partir da base da montanha, brandiam os machados sucessivamente contra cada árvore talhando-a até que o tronco, ainda inteiro, tremulasse com a iminência de sua queda. Os trabalhadores iam subindo, cortando um e depois outro tronco, cada vez mais acima, até que se chegasse ao cume da montanha. O capataz experiente decidia qual a árvore seria cortada até tombar arrastando consigo todas as outras. Se fosse bem sucedido, o sopé inteiro desabava com uma tremenda explosão levantando uma nuvem de fragmentos, de bandos de papagaios, de tucanos e de aves canoras. Os trabalhadores festejavam, pois se o capataz errasse e apenas umas poucas árvores caíssem teriam que descer entre as árvores cambaleantes e derrubá-las uma a uma. Nesta tarefa de abatê-las individualmente ocorriam geralmente muitos acidentes fatais.

Retornaram à fazenda Areas onde acompanharam toda a faina habitual dos escravizados na produção de café, como na fazenda Val de Palmas, até ser ensacado. Participaram de uma caçada a capivaras, pescaram, visitaram a casa de farinha e o forno de melado. Seguiram para Itaocara, sempre a cavalo, ficando hospedados na propriedade de Antônio de Faro. Finalmente chegaram a São Fidélis no dia 10 de junho e dali seguiram para o município de Campos.

Fazenda Areas onde a princesa e o conde se hospedaram. Acervo pessoal.
Fazenda Areas onde a princesa e o conde se hospedaram. Acervo pessoal.

Em outra ocasião a princesa Isabel visitou Nova Friburgo para um tratamento de saúde. Em razão da crença de que o clima de altitude curava determinadas doenças, aliado ao fato de um Instituto Sanitário Hidroterápico estar ali estabelecido, Nova Friburgo era muito procurado pelas elites da época. As duas filhas de D. Pedro II, a princesa Isabel e Leopoldina se casaram com dois primos de Casas reais europeias, os Orleans(Conde D´Eu) e os Saxe-Coburgo(Gusty). No entanto, enquanto Leopoldina engravidava sucessivamente, Isabel que se casara em 15 de outubro de 1864 com o Conde D’Eu, não conseguia engravidar. A infertilidade era considerada como uma doença, dando-se o nome de frialdade ou frigidez.

Conde D´Eu da Casa Europeia de Orleans. Acervo Instituto Moreira Sales.
Conde D´Eu da Casa Europeia de Orleans. Acervo Instituto Moreira Sales.

Recomendava-se, à época, tomar chá de erva de carrapato, de figueira-do-inferno ou ainda fazer um defumadouro das partes íntimas com erva pombinha. Novenas à Sant’Ana e Santa Comba, padroeiras da fertilidade conjugal, não faltavam. A historiadora Mary Del Priore nos informa que a princesa Isabel se sentia constrangida em solicitar que o marido se sujeitasse às crendices nacionais para provocar sua gravidez, a exemplo de urinar no cemitério pela argola de uma campa, ou ainda untar a região púbica com sebo de bode, ou beber garrafadas de catuaba. Ele a tomaria por uma primitiva. Além do desejo materno de ter um filho, a princesa ainda tinha a questão da sucessão, pois se não tivesse herdeiro, provavelmente o trono seria ocupado, com a morte de D. Pedro II, por seu sobrinho, Pedro Augusto.

Depois de 10 anos de infrutíferas tentativas, a princesa engravidou. Acervo Instituto Moreira Sales
Depois de 10 anos de infrutíferas tentativas, a princesa engravidou. Acervo Instituto Moreira Sales

A princesa ainda recorreu para engravidar a Caxambu e Lambari(MG) para tomar banhos de águas milagrosas. Estações termais, hidroterapia, novenas, viagem a Lourdes(Portugal) fazendo promessas a Santa Bernadette e finalmente tratamento com um especialista na Europa, a tudo a princesa recorreu. Em 1874, retorna a Nova Friburgo acompanhada do pai, D. Pedro II, e de sua dama de companhia, a Condessa de Barral ficando hospedados no hotel Leuenroth. A princesa procurou o tratamento de  hidroterapia no Instituto Sanitário Hidroterápico, para a cura de sua frigidez. Fizera abluções repetidas na água na tentativa de tornar o útero fecundo. Coincidentemente, no ano seguinte de sua estada em Nova Friburgo, em 1875, depois de dez anos de infrutíferas tentativas, a princesa finalmente engravidou. Seria leviano estabelecer aqui uma relação direta do tratamento da hidroterapia na fecundidade da princesa. No entanto, podemos afirmar que a cidade serrana fluminense lhe deu sorte. Mesmo tendo abortos naturais sucessivos e uma filha natimorta, a princesa deu herdeiros a Coroa, cujo regime seria derrubado com o golpe militar republicano.


Fontes: A fonte é do Jornal do Brasil de 06 de julho de 1958, 3° Caderno, que reproduziu o artigo “A princesa no interior fluminense em 1868.” A Biblioteca Nacional não possui o jornal de 1868 em sua hemeroteca. Outra fonte, jornal O Nova Friburgo de 1935.

Janaína Botelho – Serra News

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