José Nolte: o padre que trocava a batina por um macacão
Em 1961 chegou a Santa Maria Madalena, cidade serrana do Rio de Janeiro, o padre alemão Josef Alois Nolte carregando na mala uma batina e no coração a convicção de que a fé pode alimentar o espírito, mas só o trabalho pode alimentar a carne. E foi pensando assim que o padre logo tratou de trocar a batina por um macacão, o terço por um torno mecânico e a igreja por uma serraria, numa luta desesperada para salvar a população local da estagnação socioeconômica, cuja realidade, 50 anos depois ainda repercuti em todo o município.
O padre Josef logo ficou conhecido e passou a ser tratado de José Nolte. A princípio sofreu com a incompreensão do povo que só entendia um padre lendo a Bíblia ou levando em uma das mãos um terço, enquanto com a outra fazia o sinal da cruz dizendo “Deus te abençoe”. O Padre Nolte recordava que quando pela primeira vez vestiu um macacão em Madalena, escandalizou a cidade, que só aceitava um padre de batina e terço nas mãos. Lembrava que quando chegou à paróquia de Santa Maria Madalena a mesma estava há 32 anos sem um padre residente e que mesmo sabendo que poderia sofrer a incompreensão de muitos não titubeou em mostrar que não podia ser um verdadeiro líder de uma paróquia falando somente de Pai-Nosso, mas, necessariamente, criando uma imagem nova da igreja e dos exemplos de Cristo.
Sem nenhuma ajuda oficial, mas graças ao apoio recebido de amigos na Alemanha, conseguiu doações de maquinários e equipamentos que serviram para montar uma serraria, uma cerâmica e uma fábrica de malhas para roupas de crianças, tendo surgido aí a primeira indústria local. A cerâmica e a serraria foram transformadas em uma escola profissionalizante denominada São José, onde era ministrado o ensino de ofícios em marcenaria, carpintaria e cerâmica, sendo que parte das peças aí produzidas chegou a ser exportada para os Estados Unidos e Israel. Não é sem razão que Santa Maria Madalena a partir dessa ocasião passou a contar com ótimos artífices em madeira, fruto do incansável trabalho e dos ensinamentos do padre Nolte.
Padre José Nolte, que também era sociólogo realizava conferências periódicas na Alemanha, pelas quais cobrava para custear suas viagens e ainda trazer recursos para a sua obra em Madalena. Dizia ele que a luta que travava na cidade fosse no Nordeste brasileiro, certamente teria conseguido construir umas três cidades com a ajuda do povo. Lamentava o fato de ter custado conseguir convencer determinadas famílias para que deixassem seus filhos aprenderem a profissão de torneiro mecânico, artífice em serralheria, carpintaria, marcenaria, malharia e cerâmica, cuja dificuldade se deu em razão da relutância ao trabalho manual pelo fato de entenderem que trabalho manual era coisa de mulher. Além desse entrave cultural que precisou vencer, não foi menor a sua luta para que conseguisse a liberação na alfândega brasileira dos equipamentos e maquinários chegados da Alemanha, tendo sido necessária a interveniência da Embaixada alemã no Brasil junto ao Ministério da Educação.
Quando da construção do Hospital Municipal Basileu Estrela em Santa Maria Madalena, concluído em 1972, todas as portas, janelas, cadeiras, armários e outros móveis e utensílios, como também os bancos que servem de assento aos fiéis na Igreja Matriz da cidade, todos foram confeccionados na serraria criada pelo padre Nolte.
O padre Nolte falava que só a industrialização salvaria o município da estagnação econômica e evitaria um êxodo ainda maior da população, reconhecendo que a paralisação dos serviços ferroviários havia sido muito prejudicial ao município que já sofrera por demais com a extinção das lavouras de café. Também reconhecia que se houvesse a insistência de se fazer da criação de gado uma alternativa para a economia do município, que a pobreza social seria uma constante por muitos anos vindouros.
Afirmava que a pastagem era extremamente pobre resultando em baixa produção de leite e que o gado de corte que é mais apropriado para terras baixas teria a sua qualidade diminuída por causa das serras íngremes da região, cujas realidades, no seu ponto de vista, nunca justificariam a aplicação de vultosa quantia de capital para o desenvolvimento do setor. Apontava que pelo clima frio temperado predominante no município o cultivo de produção de frutas europeias seria ótima alternativa para a geração de trabalho, emprego e renda aos habitantes locais.
Mas independente das constatações do padre José Nolte quanto a essas questões de trabalho e produção no município, importante destacar o que ele entendia como sendo o problema maior a ser vencido pela população de Madalena, que segundo ele, era a falta de iniciativa do povo. Essa constatação do padre Nolte já nos idos anos 60, de certo modo, explica a cultura local ainda predominante no seio da sociedade que, até mesmo para ações que também podem ser desenvolvidas por iniciativa popular, sempre fica na expectativa do poder público fazer e como costumeiramente acontece, ninguém faz e acaba a coisa ficando por acontecer.
Até meado dos anos 70, enquanto teve forças para lutar contra a incompreensão e a ingratidão de muitos, apesar de homem calejado pelas agruras sofridas quando da Segunda Grande Guerra, em que teve de fugir da perseguição de nazistas, o padre dizia que havia aprendido a suportar e vencer as injustiças, mas como tudo tem um limite, com o vigário que trocava a batina por um macacão, o terço por um torno mecânico e a igreja por uma serraria, não foi diferente.
Enquanto sofria a acusação de ter vida conjugal e de estar explorando os jovens que aprendiam um ofício na serraria, José Nolte conseguiu enfrentar essas infâmias com altivez e seguiu em frente, até porque essas fofocas e calúnias diziam respeito, exclusivamente, à sua pessoa, mas no momento em que a situação descambou para uma perseguição com constantes denúncias junto a órgãos estaduais e federais que resultaram em multas impagáveis, o que, por consequência, comprometia a sobrevivência da escola profissionalizante que fundara com o objetivo de ensinar os jovens a pescarem, o padre entendeu que era chegada a hora de partir, porque o seu ideal ia muito além do que vestir batina, ler Bíblia, carregar terço e/ou fazer pregações, e com ele o “cidadão do mundo” levou consigo as chagas da ingratidão de um povo que fez da sua incompreensão uma constante espera pelo peixe…
Os equipamentos e maquinários que funcionavam na Escola de Marcenaria São José, mais tarde, passaram a pertencer ao Instituto Prolabor de Santa Maria Madalena. Os restos mortais do padre José Nolte, nascido em 19 de junho de 1919 (Alemanha) e falecido em 13 de julho de 2004 (Nova Friburgo), onde viveu desde que foi embora de Santa Maria Madalena, a seu pedido, se encontram repousando na Capela do Cemitério Público de Santa Maria Madalena. Prova de que o Padre Nolte, soube perdoar!