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Francisco Vidal Gómez, o construtor do Colégio Anchieta

A vinda de um colégio de padres Jesuítas para Nova Friburgo no final do século 19, não foi por acaso, mas dentro de um contexto. Havia-lhe precedido neste município dois importantes estabelecimentos de ensino do país, o Instituto Colegial de Nova Friburgo, do inglês John Henry Freese e o Colégio São Vicente de Paulo, do ilustre professor bávaro Barão de Tautphoeus. Neste último havia estudado o político Joaquim Nabuco e os dois colégios adotavam o sistema de internato. Ambos eram frequentados pelos filhos das elites do Império, funcionando no século 19 durante décadas na salubre cidade serrana de Nova Friburgo. O Colégio São Vicente de Paulo no qual os Jesuítas irão se estabelecer ocupava na casa-sede da fazenda do Morro Queimado, que pertencia a Câmara Municipal. Neste local os vereadores realizavam as sessões, – e por isto era chamado pelos colonos suíços instalados em Nova Friburgo de château –, e onde igualmente ocorriam os ofícios religiosos.

O château foi arrendado pelo barão, mas comprado por Francisco Marques de Souza, genro do médico Jean Bazet, que acompanhara os colonos suíços até a fazenda do Morro Queimado. Com o falecimento de Marques de Souza o colégio encerrou sua atividade. A casa-sede estava assentada a cavaleiro da vila, numa gleba de terra na encosta da montanha tendo ao fundo duas imensas rochas graníticas que deu nome à fazenda de Morro Queimado. Próximo havia uma imensa cascata ao sopé do morro com o seu bramir ululante, que no tempo das chuvas tinha proporções vinte vezes maior. O fechamento do São Vicente de Paulo e do Instituto Colegial deixou um vazio na educação dos filhos das elites da região serrana fluminense, e pode-se afirmar até mesmo na Corte. O Instituto Colegial foi adquirido pelos médicos Carlos Eboli e Fortunato Corrêa de Azevedo, para instalar o Instituto Sanitário Hidroterápico. Eboli teve um significativo protagonismo na vinda dos Jesuítas para Nova Friburgo.

Ao fundo a casa-sede do Morro Queimado retratada por Johann Steimann em 1839. Acervo BN.
Ao fundo a casa-sede do Morro Queimado retratada por Johann Steimann em 1839. Acervo BN.

O espaço deixado pelos professores Freese e Tautphoeus, dois notáveis e notórios educadores, poderia ser preenchido quando se teve a notícia de que a administração do colégio Jesuíta São Luiz, no município de Itu, no Estado de São Paulo, desejava fundar um estabelecimento de ensino na província fluminense. Neste sentido, Carlos Eboli mobilizou a elite fazendeira de toda a região serrana, para que Nova Friburgo abrigasse o novo colégio dos Jesuítas. Foram encaminhadas petições a administração do São Luiz com promessas de doação de uma chácara no centro da vila para a instalação do colégio, madeira, cal, tijolos e tudo mais que necessitassem. Uma petição em que constavam as assinaturas de vários barões da região oriental do Vale do Paraíba, evidentemente lograria êxito, e partiu de Roma a decisão de que os Jesuítas se instalassem em Nova Friburgo. Os procedimentos preliminares ficaram ao encargo do Padre Lourenço Rossi que cuidara da fundação do colégio São Luíz, auxiliado pelo Padre Prosperi.

Colégio Jesuíta São Luiz, no município de Itu. Acervo colégio Anchieta.
Colégio Jesuíta São Luiz, no município de Itu. Acervo colégio Anchieta.

Mesmo diante da oferta de uma chácara o Padre Rossi escolheu o château, possivelmente por ter servido anteriormente como um internato. A casa-sede estava velha e “meio arruinada” possuindo dois pavimentos com janelas para todos os lados, duas dependências de um só pavimento e uma imensa mata ao redor. Os proprietários há cinco anos não faziam uso do imóvel. A determinação de Roma era de que o imóvel fosse alugado e não adquirido. Durante cinco meses foram feitos os reparos e as benfeitorias necessárias para a recepção dos alunos. No dia 12 de abril de 1886, os Jesuítas receberam sem discurso e sem pompa os primeiros sete alunos, quatro de Nova Friburgo e três do Rio de Janeiro. Um grupo de cavalheiros e de senhoras saíram do hotel Salusse em direção ao château acompanhados de seus filhos. Recepcionadas pelo Padre Reitor Lourenço Rossi, as senhoras entraram no prédio examinando as salas de aulas, o refeitório e o dormitório, dando-lhes o reitor toda liberdade com a sua habitual cortesia e lhaneza. O corpo docente era formado, além do reitor  pelos padres Vicente Prosperi, André Bigioni, J.B. Fialho de Vargas e Luiz Magouet.

Embora amplo, logo de início o château tornou-se acanhado para abrigar comodamente uma crescente demanda para estudar no colégio. O número de alunos que no fim do primeiro ano era de 39, no início do século vinte já se abeirava a 200. Autorizada a aquisição do château, a escritura de compra e venda foi lavrada em 1° de outubro de 1888 entre a viúva Adelia Marques de Souza Rebello e herdeiros e o Padre Lourenço Rossi, representando o colégio Anchieta. Em 1° de janeiro de 1902, no reitorado do Padre Domingos de Meis, que substituíra o Padre Lourenço Rossi, procedeu-se a benção da primeira pedra em forma de urna da construção. Foi lavrada uma ata firmada pelas pessoas presentes e encerrada em um tubo de ferro. Ato contínuo o tubo foi depositado juntamente com moedas e jornais do dia na urna de pedra e colocada no angulo oriental do edifício. Estavam presentes Monsenhor Miranda, o conde de Nova Friburgo, o barão de São Clemente, o médico Ernesto Brasílio, Elias Antônio de Moraes, segundo Barão das Duas Barras, o fazendeiro capitalista Antônio Van Erven, o capitalista Galdino do Valle, o advogado Júlio Zamith, o engenheiro da Câmara Farinha Filho, o arquiteto construtor do colégio Francisco Vidal Gómez, entre outros homens de escol.

O château em 1886 quando os Jesuítas se instalaram. Acervo colégio Anchieta.
O château em 1886 quando os Jesuítas se instalaram. Acervo colégio Anchieta.

No entanto em 10 de fevereiro deste mesmo ano, o Reverendo De Meis deixou o reitorado do colégio, sucedendo-o no cargo o Padre Luiz Yábar. Nascido em Cuzco, no Peru, em 11 de outubro de 1856 era filho de família nobre. Entrou para o noviciado da Companhia de Jesus em 17 de dezembro de 1877 em Château-des-Alleux, na França. Após completar os seus estudos em teologia foi ordenado sacerdote se doutorando em filosofia e ciências naturais na universidade Gregoriana. O novo prédio será construído durante a reitoria do Padre Yábar. A edificação do colégio deve muito a Francisco Vidal Gómez e de acordo com a documentação do acervo do Anchieta, Gómez angariou a eterna gratidão dos Jesuítas. Existem inúmeros louvores a ele nos discursos dos oradores e no periódico interno dos alunos, denominado de Aurora Colegial. No diário dos padres do colégio Anchieta se percebe o seu protagonismo na construção do prédio novo comprando material, contabilizando as despesas e viajando inclusive para Itu com o Padre Yábar para tratar de assuntos relacionados a obra do colégio. No lançamento da pedra fundamental foi registrado do diário dos padres que o novo edifício do colégio estava “sob a direção e conforme os planos do Sr. Francisco Vidal Gomes.”

“…Mas apesar de se poder chamar o Rev. P. Luiz Yábar, e com toda a razão, o homem da Providência, certo é contudo que nunca, em tão pouco tempo, teria podido levantar tão grandioso edifício se Deus, por assim dizer, não lhe tivesse deparado um valioso auxiliar da sua tempera na pessoa do Sr. Francisco Vidal Gomes, de nação espanhol; e quer isto dizer, homem de energia e atividade inquebrantável na execução de seus planos. (…) também na velha Europa edificou casas, colégios e igrejas. Porém mais do que pela sua habilidade artística, Francisco Vidal Gomes tornou-se recomendável pelo seu espírito profundamente religioso e pela prática das virtudes cristãs…(…) O Colégio Anchieta, portanto, cumpre com o seu mais estreito dever, protestando também nestas linhas, ao benemérito Snr. Francisco Vidal Gomes, os mais profundos sentimentos de eterna gratidão.”(Caderno Collegio Anchieta em Nova Friburgo, XXV anniversario de sua fundação, 1886-1911)

Francisco Vidal Gómez imigrou para o Brasil com 17 anos de idade. Acervo Lucía Pumar.
Francisco Vidal Gómez imigrou para o Brasil com 17 anos de idade. Acervo Lucía Pumar.

A igreja a que se refere o orador é a de São Roque construída por Vidal Gómez em Pontevedra. Quem nos fornece informações sobre Vidal Gómez é a sua bisneta, Lucía Pumar que reside na Espanha e pesquisa a vida e a obra de seu bisavô. Francisco Vidal Gómez é natural de Pontevedra, uma das quatro províncias que compõem a região da Galiza, no noroeste da Espanha. Nasceu na freguesia de San Miguel de Carballedo, no município de Cotobade, conhecido na Galiza como “Terra dos Canteiros”. Este epíteto deve-se ao fato de durante séculos a região ter sido o berço de grandes mestres canteiros, que transmitiam entre as gerações um saber na construção de pontes, casas, cruzes de pedra, moinhos, etc. No passado, o ofício da construção e da arte na pedra era transmitido de pai para filho. A arte em pedra granítica, que ainda sobrevive nesta região, formou e influenciou Vidal Gómez. Este tipo de ofício leva-os a trabalhar em outras regiões nas chamadas “migrações artesanais” dentro da Espanha ou mesmo em outros países como Portugal, onde são muito solicitados.

Igreja de São Roque construída por Francisco Vidal Gómez em Pontevedra. Acervo Lucía Pumar.
Igreja de São Roque construída por Francisco Vidal Gómez em Pontevedra. Acervo Lucía Pumar.

Vidal Gómez imigrou para o Brasil com 17 anos de idade e de acordo com a memória familiar possivelmente teria vindo como seminarista. A única certeza é de que era Irmão da Ordem de São Francisco. Estudou no colégio do Caraça, em Minas Gerais onde esculpiu um belíssimo altar todo em mármore. A primeira esposa chamava-se Elisa, natural do Patrocínio de Muriaé, em Minas Gerais. Ambos se casam em Laje do Muriaé, município de Santo Antônio de Pádua. Em um período de sete anos o casal teve 6 filhos, 4 meninos e 2 meninas, 5 deles nascidos no Brasil, dois falecidos precocemente. Depreende-se que a família viajava para a Espanha. Francisco Vidal Gómez sofreu muito com a morte da esposa em 11 de novembro de 1894, após dar à luz ao filho, ficando devastado com a sua perda. Quando morreu, além do recém-nascido deixou três filhos nas idades de 7, 5 e 2 anos. Elisa foi enterrada em Nova Friburgo numa delicada capelinha de mármore feita a pedido de Vidal Gómez.

Residência de Francisco Vidal Gómez em Pontevedra. Acervo Lucía Pumar.
Residência de Francisco Vidal Gómez em Pontevedra. Acervo Lucía Pumar.

Cinco anos após a morte da esposa, Vidal Gómez com 42 anos de idade casa-se com Avelina, que tinha 20 anos, governanta de sua casa e com quem teve 11 filhos. Avelina era natural de San Xurxo de Sacos, freguesia situada a apenas 11km de Pontevedra. O seu amor por Elisa foi eterno, mas o casamento com Avelina não foi tão somente por conveniência. As cartas trocadas por ambos quando Vidal Gómez estava em viagem assim o demonstra, nos informa Lucía Pumar. A primeira filha nascida deste matrimônio chama-se Maria Elisa, avó de Lucía, em homenagem a sua amada finada esposa. Vidal Gómez era casado com Avelina há alguns  anos quando iniciou a construção do Colégio Anchieta. De acordo com as pesquisas de Lucía Pumar ele trabalhou na construção de ferrovias e pontes de ferro e possivelmente executou a obra da ponte de ferro na fazenda da Laje(Conselheiro Paulino), no trecho da linha férrea de Sumidouro destruída no sinistro de 2011, e na ponte de ferro da estação de trem de Riograndina. Em 1895, Vidal Gómez em sociedade com Joseph Lynch obteve a concessão de assentamento de uma estrutura metálica em uma ferrovia em Minas Gerais. Logo, tudo indica que tenha prestado serviços nas referidas pontes em Nova Friburgo. No acervo de sua biblioteca, sua bisneta localizou o livro “Manuel pratique de construction traitant des tracés de routes et de chemins de fer, des terrassements, des ouvrages d’art, des batiments des voies ferrées et des constructions rurales”.

Francisco Vidal Gómez e Avelina. Acervo colégio Anchieta
Francisco Vidal Gómez e Avelina. Acervo colégio Anchieta

Francisco Vidal Gómez era descrito como um talentoso arquiteto e artista, dotado de muita energia, zelo incansável, força de vontade inquebrantável, dedicação incomparável e de uma abnegação acima de todos os encômios. Nos jantares íntimos por ocasião de solenidades do colégio Anchieta onde era restrito o número de pessoas, Vidal Gómez sempre constava na relação de convidados. Igualmente era conhecido como infatigável, com desinteressado empenho e sem ostentação. Todos estes elogios lhe proporcionou o privilégio de inaugurar o próprio busto em bronze, em 14 de outubro de 1906, por ocasião do aniversário do Padre Reitor Luiz Yábar, como acrisolado reconhecimento dos Jesuítas. No dia 26 de novembro de 1905, dia do aniversário Vidal Gómez, foi cumprimentado em sua casa em nome do colégio por uma comissão composta de alunos das três divisões, presidida pelo professor Luiz Cavalcanti. No ano anterior, no diário dos padres de 26 de novembro de 1904 há outro registro que mostra com detalhes como foi a visita.

“Aniversário natalício do ilustríssimo Francisco Vidal Gomes, diretor das obras do colégio. À tarde depois do jantar o Padre Aureli acompanhado por uma turma de 6 alunos, representando as três divisões dos alunos do colégio dirigiu-se a casa do senhor Francisco Vidal e aí na sala de visitas proferiu uma bonita alocução saudando o senhor Vidal e oferecendo-lhe em seguida uma cesta de metal com flores naturais, um copo prateado encerrado numa bonita caixinha e uma fotografia dos alunos congregados. O senhor Vidal respondeu muito agradecido, ofereceu do seu excelente vinho e doces. O Padre Aureli permitiu que os alunos se servissem de doce com excessiva sobriedade para não quebrar o jejum do dia. E assim foi por eles observado. Fez-se agradável palestra durante alguns minutos e depois o Padre Aureli levantou-se e fez as despedidas. O senhor Vidal acompanhou todos até o portão de sua bela chácara. Junto ao copo e dentro da mesma caixinha ia um cartão do padre reitor saudando o senhor Vidal e oferecendo os mimos em seu nome, em nome de todos os padres e de todos os alunos….” (Diário do colégio Anchieta)

A pintura de Francisco Vidal Gómez fica no corredor do colégio. Acervo colégio Anchieta.
A pintura de Francisco Vidal Gómez fica no corredor do colégio. Acervo colégio Anchieta.

O “excelente vinho” a que se refere o padre era de fabricação própria de Vidal Gómez. Em 1908, por ocasião da Exposição Nacional no Rio de Janeiro, ele juntamente com Luiz Guadagnini representaram Nova Friburgo como fabricantes de vinhos branco e tinto. Na sua residência em Pontevedra havia uma área onde eram cultivadas vinhas, com instalações para produzir vinho para consumo próprio. Com relação a obra do colégio Anchieta, provavelmente adequando às condições financeiras, recursos materiais e mão-de-obra, Vidal Gómez fez diversas alterações na planta que o Padre Lourenço Rossi trouxera de Roma, que projetava um prédio com estilo mais sofisticado e estilizado. Iniciada a construção em janeiro de 1902, em menos de um ano já estava pronta a primeira ala do novo colégio do lado do sul. De acordo com o Jornal do Brasil de 1902, edição 00308 “… a ala do prédio há dias inaugurada ocupa uma superfície de 960m², é formada por 3 andares, constituindo uma quinta parte do edifício”.

Na imagem Francisco Vidal Gómez é destacado, ano de 1902. Acervo colégio Anchieta.
Na imagem Francisco Vidal Gómez é destacado, ano de 1902. Acervo colégio Anchieta.

Estima-se que trabalhavam na obra em média 150 operários, alguns vindos de fora e residindo no colégio. As festas da cumeeira e colocação das tesouras(estruturas de madeira) eram muito celebradas, soltando-se foguetes, assentando-se bandeiras e servindo aos operários cerveja e doces, ocasião em que Vidal Gómez sempre fazia uma breve  alocução. Os Irmãos costumavam fazer passeios com os operários instalados no colégio e os ensaios das peças teatrais dos alunos tinham geralmente a assistência deles. No diário dos padres foi registrado que em 03 de janeiro de 1904 “o Irmão Battisti levando em sua companhia todos os empregados que pernoitam em casa, foi fazer hoje um pic nic na chave[onde muda a linha do trem] da olaria do sr. Vidal, linha Sumidouro, km122. Saíram pela manhã cedo. Regressaram à tarde, pelas 3 ½. Na opinião de todos que tomaram parte no pic nic a diversão foi belíssima”. O prédio novo foi sendo gradativamente ocupado. Na medida em que uma ala e seus respectivos compartimentos eram finalizados transferiam os alunos e serviços. Por meio de um passadiço coberto de folhas de zinco se transitava entre os dois prédios.

Destaque para a pedreira próxima ao colégio. Acervo colégio Anchieta.
Destaque para a pedreira próxima ao colégio. Acervo colégio Anchieta.

No início de 1903, o quarto do Padre Reitor e os dormitórios dos alunos grandes e médios foram transferidos para o novo prédio. Já em 1905 foram transferidas a biblioteca, a rouparia, a alfaiataria, o escritório e no fim deste ano foi iniciada a edificação do lado ocidental, concluído no ano seguinte juntamente com o pavilhão do teatro. Neste último período trabalhou como mestre-de-obras o Irmão Antônio Sartori, que dirigira várias construções em Roma e participara da obra do colégio de Santo Ignácio, no Rio de Janeiro. No final de outubro foram colocadas no salão de entrada duas estátuas sobre pedestais, a do padre Anchieta acariciando um indígena e a outra do patriarca Santo Ignacio de Loyola, fundador da Companhia de Jesus. No ano de 1906 transferiu-se para o prédio novo a sala de música, foram colocados os ladrilhos, inaugurados os dois repuxos do jardim central e colocado um sino na torre. Em 12 de outubro de 1906 ocorreu o último almoço no refeitório do velho château e o jantar já foi servido nos refeitórios novos dos padres e dos alunos.

As festas da cumeeira e a colocação das tesouras eram muito festejadas, 1902. Acervo colégio Anchieta.
As festas da cumeeira e a colocação das tesouras eram muito festejadas, 1902. Acervo colégio Anchieta.

O velho château que ocupava a parte central do lado oeste do atual edifício do colégio foi sendo demolido em etapas. De acordo com o diário dos padres, em 07 de abril de 1904 “começou a demolição do prédio antigo”. Na Revista da Semana de 30 de outubro de 1904, o articulista escreveu que “ao fundo vê-se a parte antiga do colégio que vai ser demolida e substituída por construção igual às outras três faces do colégio.” A última parte foi demolida em março de 1905 e no local foi construída a ala que fecha o quadrilátero. De acordo com o Aurora Colegial de 08 de junho de 1905 “no local em que outrora campeava o château aumentou os entulhos provenientes do desmoronamento recente do colégio velho, restando umas paredes no lugar ocupado há poucas semanas pela rouparia, escritório e farmácia, instaladas no colégio novo”.

Pátio interno, à esquerda com as bandeiras o velho château. Acervo colégio Anchieta.
Pátio interno, à esquerda com as bandeiras o velho château. Acervo colégio Anchieta.

O pavilhão do teatro conhecido como salão de atos foi inaugurado em 1906, com a colação de grau dos bacharelandos. Os recreios dos alunos foram inaugurados no final do semestre de 1908. Os alunos eram divididos em três divisões, de acordo com a sua idade, possivelmente para evitar que os maiores machucassem os menores nas brincadeiras. Cada divisão possuía no seu recreio um “rancho”. No recreio dos alunos médios deveria ter sido erguida a igreja do colégio, o que nunca ocorreu, possivelmente por falta de recursos financeiros. Os Jesuítas estimulavam muito o patriotismo na formação dos alunos e propositadamente ou não foi escolhida a cor amarelo-palha para pintar o complexo de prédios que se sobrepõe ao verde-escuro da mata. Por outro lado, Vidal Gómez pode tirado referências do hotel Central, anexo ao Instituto Sanitário Hidroterápico, de cor amarelo-palha.

O grandioso complexo tem forma quadrangular em estilo neoclássico ou clássico misto com um elevado ático na sua fachada. Talhada em uma só pedra, uma sacada guarnece o centro do edifício coroado por um grande relógio guardado por dois anjos, que sobre ele suspendem entre arabescos e florões, um escudo com o monograma do colégio Anchieta. Sobre os cantos, de um e outro lado do edifício duas estátuas representam a fé e a ciência. A fé é representada por uma mulher em pé de cabeça alevantada e respeitosa, que segura em uma das mãos uma cruz e na outra um cálice e duas hóstias sacrossantas. A ciência é representada pela estátua de uma mulher aguerrida, de capacete à cabeça e corpete de malhas floreando um facho de luz. Fé e Ciência estão gravados no frontispício do salão de atos. Fronteiro ao prédio e aproveitando a declividade do terreno estende-se um belíssimo jardim para aformoseá-lo. As palmeiras imperiais foram plantadas no reitorado do Padre José Manuel de Madureira (1910-1916).

Duas estátuas do edifício representam a fé e a ciência. Acervo pessoal
Duas estátuas do edifício representam a fé e a ciência. Acervo pessoal

Ao abrir uma porta talhada com primor depara-se com um saguão onde se alevantam dois lanços de escadas em peroba, suspensas e de puro encaixe, em graciosas curvas simétricas completando um semicírculo. As escadas são mais uma obra da genialidade de Francisco Vidal Gómez. De acordo com Lucía Pumar, existe uma história contada na família de que, quando as escadas foram finalizadas, os padres recusaram-se a subir. Eles achavam que as escadas não suportariam o peso de diversas pessoas e poderiam desabar, por serem somente de encaixe. Irritado com a situação que colocava em dúvida o seu trabalho, Vidal Gómez ficou embaixo da escada e exortou os padres a subirem em grupo dizendo, “Subam todos, a escada não cai!” Os padres percebendo a sua segurança em relação a firmeza e solidez da escada, colocando-se embaixo dela desafiadoramente e disposto a morrer esmagado caso desabasse, resolveram subir. Em razão disto, o busto de Vidal Gómez ficava próximo à escada afiançando aos transeuntes a sua segurança. A escadaria ilustra um cartão postal do colégio Anchieta tendo o busto de Francisco Vidal Gómez ao fundo.

A escadaria no cartão postal com o busto de Francisco Vidal Gómez ao fundo. Acervo colégio Anchieta
A escadaria no cartão postal com o busto de Francisco Vidal Gómez ao fundo. Acervo colégio Anchieta

Os extensos corredores são iluminados profusamente pela luz que invade altas e largas janelas. As frontais são em arco no primeiro e terceiro andar e quadrangular no segundo andar. Curiosamente as que dão para o pátio interno são em arco nos dois primeiros andares e quadrangular no último. Na parte interior eleva-se um quarto andar, destinado a sala de observações meteorológicas. Pelos corredores quadros com fotos dos bacharéis do colégio se misturam com artísticos trabalhos do professor Giovanni Noveli e de outros docentes. Além de vastas salas de aula gerais e específicas, como as de química e física, havia a sala de esgrima, 8 salas para estudo de piano, salas de música, 4 grandes salões de estudo dos alunos, um salão para o museu de história natural, biblioteca, sala de banhos termais e de duchas e onde seriam também os banheiros, amplos dormitórios dos alunos, uma capela provisória mas que se tornou definitiva, a capela do Sagrado Coração de uso particular dos padres, sala de visitas, aposentos dos padres, dos Irmãos, dos professores, refeitório dos alunos e dos padres, enfermaria, gabinete de dentista, escritório, cozinha, rouparia, alfaiataria e salas acessórias. Havia 6 quartos para hóspedes onde ficavam os clérigos visitantes e leigos, como o jurista Rui Barbosa.

Escadas em peroba, suspensas e de puro encaixe. Imagem fotógrafo Pedro Bessa.
Escadas em peroba, suspensas e de puro encaixe. Imagem fotógrafo Pedro Bessa.

Os dormitórios dos alunos eram ventilados por uma série de janelas que se abriam para a belíssima mata. Um preciosíssimo altar em estilo gótico elaborado com 16 espécies de madeiras nacionais, em forma de mosaicos foi elaborado para a capela da congregação dos alunos sob a invocação de Mater Pietatis. O salão de atos foi ricamente pintado por A. Mecozzi tendo como colaboradores Pietro Panbianco e Romolo Borzi. Inaugurada em 16 de outubro de 1904, no pátio interno do complexo de edifícios se destaca a estátua da Virgem Imaculada Conceição, padroeira do colégio, feita de ferro sobre um artístico pedestal. A escultura da Virgem é possivelmente obra do Padre Vicente Prosperi, que além de físico e químico era escultor e pintor, e o pedestal obra de Francisco Vidal Gómez. Ao seu redor estava disposto um jardim com jasmins, cravos e rosas e dois repuxos simetricamente instalados.

Capela Mater Pietatis em estilo gótico elaborada com 16 espécies de madeiras. Acervo colégio Anchieta.
Capela Mater Pietatis em estilo gótico elaborada com 16 espécies de madeiras. Acervo colégio Anchieta.

Com relação a obra que denominavam de “fábrica”, como dito antes, as elites da região ofereceram uma mata para retirada da madeira, tijolos, cal e outros materiais. No entanto, nos diários dos padres nenhum registro de doação foi localizado, mas existem registros de empréstimos e pagamento de juros a particulares feito pelos Jesuítas. Em alguns consta Vidal Gómez e o Irmão Antônio Sartori indo à estação Barão de Aquino negociar a compra de madeiras com o coronel João do Prado Jordão e Lourenço Augusto Lemgruber. Outro registro é uma carta da Companhia Leopoldina concedendo abatimento de 25% no frete das madeiras vindas de Sumidouro. De uma pedreira próxima se extraíam as pedras e há o registro de fornecedores de cal de Santa Rita e Boa Sorte, distritos do município de Cantagalo. Tudo indica que Vidal Gómez possuía uma olaria, possivelmente para atender ao colégio, e não sabemos se a olaria do Cônego, que pertenceu aos Clemente Pinto, barões de Nova Friburgo estava em atividade. A avaliação dos gastos da obra do colégio era feita por Vidal Gómez.

Os dormitórios dos alunos ficavam em frente a mata. Acervo colégio Anchieta.
Os dormitórios dos alunos ficavam em frente a mata. Acervo colégio Anchieta.

Em abril de 1911 veio a licença da Ordem Superior para a instalação da luz elétrica no colégio. Em 09 de junho do mesmo ano foi lançada a pedra fundamental da usina elétrica. Conforme o Diário do Colégio Anchieta 4 A, número 9, “Sobre os alicerces da usina foi posta uma pedra com um furo ou cavidade em que foi posto um frasco de vidro com um documento referente a usina, moedas e um jornal.” No entanto, vinham sendo feitos ensaios de instalação da eletricidade com um motor dínamo que havia sido adquirido um ano antes. Experimentaram a luz elétrica nos corredores bem como na festa de aniversário do Padre Reitor Madureira, onde o salão do teatro foi iluminado com duas lâmpadas de arco e o palco à luz elétrica. Até o final de novembro de 1911, o Irmão Sartori ainda realizava serviços na instalação da luz elétrica. Para se ter uma ideia do pioneirismo do colégio Anchieta, em 24 de junho de 1911 foram acesas, por experiência, a luz elétrica na cidade pela usina Hans. Em Nova Friburgo a eletricidade gerada por esta usina atendia primordialmente as indústrias têxteis instaladas recentemente e a algumas poucas áreas do centro da cidade. Como era restrito o serviço, os Jesuítas investiram em uma usina própria. De acordo com o periódico A Sentinella de 08 de setembro de 1901, uma linha telefônica ligava o colégio à estação da estrada de ferro.

Refeitório dos Padres Jesuítas. Acervo colégio Anchieta.
Refeitório dos Padres Jesuítas. Acervo colégio Anchieta.

O colégio fora projetado para acolher aproximadamente 500 alunos, mas não chegou a alcançar esta meta. O periódico O Friburguense, 27 de dezembro de 1891 informa que estavam matriculados no colégio Anchieta 154 alunos naquele ano. Conforme algumas estatísticas colhidas no diário dos padres, o número de matriculados no ano de 1905 era de 269, e no ano seguinte de 310. A frequência máxima  localizada se verificou em 1907 com 398 matrículas. Nos 37 anos da primeira fase do colégio(1886-1922) passaram por ele 3.015 alunos, dos quais 1.627 foram favorecidos com gratuidade. Enviaram os seus filhos para serem educados pelos Jesuítas Rui Barbosa, Euclides da Cunha, Capistrano de Abreu, Sylvio Romero, Alberto Torres e os netos do Visconde de Ouro Preto, um dos políticos mais importantes no Império, para ficar em alguns exemplos.

No pátio a estátua da Virgem Imaculada Conceição, padroeira do colégio. Acervo colégio Anchieta.
No pátio a estátua da Virgem Imaculada Conceição, padroeira do colégio. Acervo colégio Anchieta.

A obra do colégio foi finalizada em 1910, realizando-se depois apenas algumas benfeitorias. As “grandes chuvas” entre dezembro e janeiro atrapalharam o seu andamento, conforme os diários dos padres, havendo inclusive o registro de queda de barreiras no colégio danificando as carroças. O Padre Yábar exerce a função de reitor até fins de 1910, quando foi transferido para Roma para dirigir o Colégio Pontifício Pio Latino-Americano. Francisco Vidal Gómez regressa a Pontevedra no mesmo ano e nos parece que o motivo do retorno ao seu torrão natal, pode ter sido o fato do colégio estar finalizado e o seu grande amigo Padre Luiz Yábar ter deixado a reitoria em Nova Friburgo. Além da camaradagem nos nove anos de obra, a língua espanhola possivelmente também os aproximara, lembrando que Padre Yábar era peruano.

Os Jesuítas legaram a Friburgo um importante monumento histórico. Acervo colégio Anchieta
Os Jesuítas legaram a Friburgo um importante monumento histórico. Acervo colégio Anchieta

Lucía Pumar nos informa que Francisco Vidal Goméz continuou viajando entre Pontevedra e Nova Friburgo. Seria para visitar o túmulo da finada Elisa? Ela relata que na família se contava que os filhos de Vidal Gómez davam discretos pontapés por baixo da mesa, quando durante a refeição, o pai anunciava uma nova viagem ao Brasil. Com estes discretos pontapés comunicavam a alegria pela ausência do pai, pois isto significava um período sem a rígida disciplina que ele impunha em relação a comportamento, estudo, boas maneiras e obrigações em geral. Conforme Lucía Pumar “a história da família é uma história de corações sempre divididos em duas terras”. Francisco Vidal Gómez faleceu em agosto de 1942, mas ainda não se sabe o ano de seu nascimento. Pode-se afirmar que os Jesuítas legaram a Nova Friburgo um dos mais importantes monumentos históricos. O colégio tombado como patrimônio histórico pelo INEPAC, Instituto Estadual do Patrimônio Cultural, continua majestoso como um château, reinando sobranceiro no centro da cidade.


Janaína Botelho – Serra News

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