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O café da montanha da família Erthal, em Bom Jardim

Quem vai em direção ao município de Bom Jardim na região serrana fluminense avista da estrada os morros cobertos por arbustos de café. Todas estas plantações e muitas outras que a vista não alcança pertencem a família Erthal. O patriarca Joseph Erthal nasceu em 1760, em Baden, na Alemanha ainda não unificada. No ano de 1824 veio para o município de Nova Friburgo na serra fluminense, juntamente com outros colonos alemães, para tomar posse das glebas de terras ocupadas anteriormente por colonos suíços. Casou-se com a conterrânea Anna Barbara Müller deixando vasta descendência. Inicialmente foi trabalhar como ferreiro e acumulando um bom pecúlio neste ofício, lhe permitiu adquirir uma propriedade agrícola passando a plantar café. Veio a falecer em 1836, e desde então, a partir das gerações seguintes, os Erthal continuaram a prosperar. O cultivo do café proporcionou durante o período do Império a fortuna de muitos fazendeiros do Vale do Paraíba fluminense dando ensejo a uma nobreza local.

O patriarca Joseph Erthal chegou a Friburgo em 1824. Acervo família Erthal
O patriarca Joseph Erthal chegou a Friburgo em 1824. Acervo família Erthal

A economia do Brasil durante séculos foi baseada em três pilares, a monocultura, o modo de produção escrava e a venda voltada ao mercado externo. O país passou ao longo de sua história pelos ciclos econômicos da cana-de-açúcar, do ouro e finalmente o café, este último no século 19. A família Erthal atualmente é a maior produtora de café do estado do Rio de Janeiro. Além do mercado interno, com o café bomjardinense, exporta para um distribuidor e o seu produto é consumido em diversos países. No Brasil Império os fazendeiros contavam exclusivamente com a mão-de-obra escrava. Prevalecia até então o paradigma de que “o café é o negro e o negro é o café”. Este era o modelo dos fazendeiros e com o fim da escravidão ocorreu uma verdadeira desorganização do trabalho no país. No entanto, desde o fim do tráfico intercontinental de escravos em 1850, colonos europeus, notadamente italianos e portugueses vinham sendo cooptados por muitos fazendeiros para substituir o trabalho cativo nas lavouras de café.

O café, principal produto de exportação no Império. Acervo pessoal
O café, principal produto de exportação no Império. Acervo pessoal

Segundo Miguel Erthal, com a abolição da escravidão os seus ancestrais passaram a utilizar o trabalho de colonos meeiros. Atualmente possui em suas propriedades rurais alguns trabalhadores fixos e formalizados, mas de um modo geral trabalha com o sistema de “turmas” para tratar e colher o café, diferentemente do restante dos agricultores do país que trabalham com sistema de parceria. Ainda segundo Miguel Erthal, no Estado do Rio de Janeiro ninguém mais quer plantar café, contribuindo esta federação segundo dados recentes com apenas 0,3% do que é produzido em todo o território nacional. Enquanto no Brasil são produzidas em média entre 51 e 52 milhões de sacas, o estado fluminense participa tão somente com 150.000 sacas. No passado, a zona serrana do Vale Sul do Paraíba, a exemplo de Valença e Vassouras e a Zona Serrana do Centro(ou porção oriental do vale do Paraíba), como Cantagalo e Bom Jardim produziam quase 90% do café da província fluminense.

O barro dos morros é ideal para o cultivo do café. Acervo pessoal
O barro dos morros é ideal para o cultivo do café. Acervo pessoal

No exterior, o Brasil está competindo na produção deste produto com países como a Índia, Vietnã, Colômbia, Guatemala e Honduras que utilizam mão-de-obra semiescrava. Considerando que a mão-de-obra representa 60% do custo do café, a competitividade no mercado internacional está cada vez mais difícil já que no Brasil, ao menos no Sudeste e neste setor, superou a primitiva forma de exploração do trabalho. Lembrando que em algumas regiões e atividades econômicas, o Brasil ainda lida com o trabalho escravo. Na região serrana fluminense para o plantio de arbustos de café, uma imensa extensão da mata virgem foi derrubada. Plantadas as mudas, no fim do terceiro ano, os novos cafeeiros produziam frutos, atingindo plena produção no sexto ano. No século 19, calculava-se entre vinte e cinco a quarenta anos a duração de um cafeeiro produtivo. No entanto, alguns historiadores afirmam que o cafeeiro pouco produzia com mais de vinte anos, em razão de sua forma de plantio. Atualmente, com novas técnicas, como a poda dos arbustos de café denominada de “esqueletamento”, e com a adubagem da terra, os cafeeiros atingem maior longevidade.

A mão-de-obra representa 60% do custo do café. Acervo pessoal
A mão-de-obra representa 60% do custo do café. Acervo pessoal

Uma das razões para o declínio da produção de café nas fazendas na região serrana fluminense foi a falta de adubagem da terra e o modo de plantio que deveria ter sido feito nos morros respeitando as curvas de nível. Com cafeeiros decrépitos e a desorganização do trabalho provocada pelo fim da escravidão, a falência dos barões do café a exemplo do Barão de Cantagalo foi inevitável. Curiosamente, no momento de dificuldade financeira destes barões os Monnerat, descendentes de colonos suíços, arremataram muitas destas propriedades em leilões judiciais. De todos os municípios da Zona Serrana do Centro, o único que permanece plantando café em larga escala, desde o século 19 é o município de Bom Jardim. No caso, por uma única empresa, a da família Erthal. Exporta café para o Japão, Alemanha e Estados Unidos, este último o maior consumidor e comprador de café no mundo.

Miguel Erthal administra quase todas as fazendas da família. Acervo pessoal
Miguel Erthal administra quase todas as fazendas da família. Acervo pessoal

O Brasil é o segundo maior consumidor mundial de café, e por isso, os Erthal igualmente se ocupam do mercado interno,  como dito antes produzindo o café Bomjardinense. No entanto, o “café de montanha” fluminense está em vias de extinção, de acordo com Miguel Erthal. Segundo ele, isto se deve a impossibilidade de se concorrer em preço com o café plantado nos vales e que permite a mecanização, tornando-se mais barato no mercado. Os estados de São Paulo e Minas Gerais conseguem preços mais competitivos em razão de sua geografia. O barro dos morros é ideal para o cultivo do café, mas a sua geografia montanhosa não permite a completa mecanização, a não ser o uso de braçadeiras para a sua colheita. Com isso, o preço do “café de montanha” se torna mais caro. Quando o trabalho era manual utilizando escravos e a depois colonos europeus, o plantio do café era viável. Pessimista, Miguel Erthal afirma que o café fluminense está descendo a montanha por falta de competitividade de preço no mercado e a tendência é a sua completa extinção das terras fluminenses.

Café de montanha da Monthal Farm. Acervo Monthal
Café de montanha da Monthal Farm. Acervo Monthal

Por outro lado, há um segmento da família Erthal mais otimista e que vê no “café de montanha” uma oportunidade. Em Bom Jardim, no distrito de Barra Alegre, na fazenda Goiabal, que faz parte do conjunto de propriedades adquiridas pelo patriarca da família, José Eugênio Erthal planta café da espécie arábica, do tipo catuaí amarelo e vermelho. Utiliza a marca Café Monthal Farm produzindo grão café premium do tipo gourmet e igualmente café para o dia a dia. O café é plantado entre 700 e 1000 metros, e José Erthal coloca a altitude justamente como um valor agregado ao produto, assim como a sustentabilidade. A missão da empresa é ser reconhecida como uma referência na produção de  “café de montanha” no Brasil.  Oferece ainda o tour de experiência gustativo e através de visitas guiadas pode-se conhecer a lavoura de café, o seu processamento e a cultura do campo.

Aloísio Erthal, trineto do patriarca Joseph Erthal. Acervo pessoal
Aloísio Erthal, trineto do patriarca Joseph Erthal. Acervo pessoal

O café é uma das commodities mais especuladas no mercado internacional, se concentrando a distribuição nas mãos de cinco grandes empresas. No passado, eram os comissários de café que o comercializava. Os fazendeiros ficavam na dependência deles, principalmente para conseguir capital para a compra de escravos. Na realidade, era um negócio muito mais lucrativo a comercialização do que a produção do café. Por isso, o Barão de Nova Friburgo, assim como os Monnerat e os Lutterbach possuíam empresas de comercialização deste produto, com escritório no Rio de Janeiro. Entrevistei há alguns anos atrás o senhor Aloísio Erthal, trineto do patriarca Joseph Erthal. Muito espirituoso, o senhor Aloísio me disse que existe uma frase emblemática. Segundo ele, dizia-se no passado que  “o café tem praga de escravo e capa de velhaco”. Praga de escravo devido a exploração de homens e mulheres trazidos do continente africano e obrigados a trabalhar forçados nas lavouras de café. Capa de velhaco, pelos motivos acima expostos, ou seja, os cafeicultores no passado ficavam nas mãos dos comissários de café.

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Janaína Botelho – Serra News


 

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