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Salve Cantagalo, Salve Cordeiro! Os grandes passeios do Colégio Anchieta

Os grandes passeios! Uma astúcia pedagógica dos jesuítas para compensar o rigor dos estudos e as práticas religiosas no cotidiano do colégio. Eram promovidos passeios para os alunos classificados em curtos e grandes e, no último caso, envolvia deslocamentos a lugares mais distantes. O Colégio Anchieta se estabeleceu em Nova Friburgo em 12 de abril de 1886, atendendo a uma demanda das elites friburguenses e que iria beneficiar toda a região serrana. Os jesuítas inicialmente arrendaram a casa-sede da Fazenda do Morro Queimado e terminaram adquirindo a propriedade, substituindo o vetusto casarão por um edifício em estilo neoclássico, considerado o maior patrimônio histórico do município de Nova Friburgo. Sempre que o Padre Reitor anunciava o grande passeio surgia uma felicidade intensa entre os alunos, contando-se os dias e as horas para o convescote. Por outro lado, havia sempre a preocupação com o mau tempo, pois a chuva cancelava o acalentado passeio. Os padres jesuítas dividiam os alunos em 3 divisões: pequenos, médios e maiores e em cada uma das divisões havia o padre prefeito e o subprefeito, responsáveis pela disciplina entre outras funções. Nos pequenos passeios as divisões muitas vezes seguiam diferentes destinos. Mas nos grandes passeios participavam todo o corpo docente e discente do colégio. Neste artigo vamos conhecer dois grandes passeios que os alunos fizeram aos municípios de Cantagalo e Cordeiro.

O rigor dos estudos era quebrado pelos passeios. Acervo Colégio Anchieta
O rigor dos estudos era quebrado pelos passeios. Acervo Colégio Anchieta

O passeio em Cantagalo ocorreu em outubro de 1913, antes dos exames de fim ano, como era costume.  No dia do passeio o “inoportuno e amolante sino” que tocava às 5:30h da manhã nos dias comuns foi recebido com alacridade e a garotada não hesitou em levantar-se da cama prontamente. Envergaram a farda branca se preparando para a viagem. A gárrula meninada em fervorosa palestra caminhou até a Cooperativa onde tomariam o trem. Na frente das divisões vinha a banda do colégio tocando marchas e os alunos perfilados se portavam de forma ordeira e disciplinada. Às 7:40h da manhã uma locomotiva aproximou-se da Cooperativa toda embandeirada levando na frente um cartaz no qual se lia “Colégio Anchieta, especial Cantagalo”. Logo atrás da locomotiva vinha o wagon de carga, que levava as refeições e merendas preparadas pelos irmãos coadjutores, seguido por 7 wagons embandeirados. No primeiro vinham os padres e convidados, os dois que se seguiam, os alunos médios; os outros dois seguintes os pequenos; o penúltimo, os alunos maiores e no último, o wagon-salão, vinha a banda.

Irmãos coadjutores que auxiliam nos passeios. Acervo Colégio Anchieta
Irmãos coadjutores que auxiliam nos passeios. Acervo Colégio Anchieta

Ao som da banda colegial que tocava com furor marcial partiam alegres e cada qual com sua graça troçando dos colegas, em conversação amiudada e animada durante toda a viagem. Passando pela estação do Rio Grande (Riograndina) apreciaram o rio caudaloso, as plantações de café, enfim todos os panoramas que margeiam a linha férrea. Fizeram paradas nas estações de trem de Bom Jardim, Monnerat e Cordeiro, com a banda tocando entusiasmadamente variadas peças. Chegaram em Cantagalo às 10:20h se dirigindo para a Fazenda do Gavião, do senhor Bernardo Clemente Pinto Sobrinho, Conde de Nova Friburgo, filho do primeiro Barão de Nova Friburgo. Desceram em ordem em três filas paralelas com a banda sempre à frente. O Padre Reitor José M. de Madureira apresentou à senhora condessa Ambrosina Leitão da Cunha todo o colégio, agradecendo-lhe a cortesia de os encontrar no desembarque e de franquear a fazenda para o convescote dos alunos do Colégio Anchieta. Pequenos aqui, médios ali, maiores acolá e a banda parou de tocar dirigindo-se os componentes para as suas respectivas divisões. A ordem dos padres prefeitos era incontinenti executada e todos dirigiam-se para o lugar determinado.

Fazenda do Gavião visitada pelo convescote do Colégio Anchieta. Acervo pessoal
Fazenda do Gavião visitada pelo convescote do Colégio Anchieta. Acervo pessoal

Na Fazenda do Gavião fizeram um acampamento perto da usina de açúcar. Tagarelando e “piruando” os alunos foram instruídos a se reunirem para serem tiradas duas fotografias. A seguir foram autorizados a se dispersarem dentro dos limites marcados pelos padres prefeitos. Veio a hora do almoço que consistia em feijoada, carne seca com “pimenta língua” do Rio Grande, frango, pastéis, frios apetitosos, cerveja, doces, bolos, entre outras iguarias. A condessa mandou servir-lhes roletes de cana e garapa gelada. Tudo indica que a cerveja consumida era fabricada no próprio colégio e evidentemente não tinha teor alcoólico. Os padres serviam de vez em quando cerveja aos trabalhadores, na ocasião da construção da nova sede do colégio.

A Fazenda do Gavião foi uma das mais lucrativas unidades de produção de café do Barão de Nova Friburgo. O palacete do Gavião foi projetado e construído por volta de 1860 pelo arquiteto alemão Karl Frederich Gustave Waehneldt. Tudo leva a crer que os alunos não entraram no palacete, possivelmente em razão do grande número, já que não deixaram registro dele.  Na ocasião em que visitaram a fazenda não havia nenhum arbusto de café. De acordo com um anúncio no Jornal do Commercio de 1887, a Fazenda do Gavião vendia leite puro levado diariamente para o Rio de Janeiro pelo expresso de Cantagalo, toucinho de primeira qualidade, banha pura de porco, lombo, costela, “cabeças”(de porco), feijão, milho e mais gêneros. O Conde de Nova Friburgo faleceu em 6 de agosto de 1914, dez meses após esta visita.

A banda estava presente em todos os passeios. Acervo Colégio Anchieta
A banda estava presente em todos os passeios. Acervo Colégio Anchieta

Depois dos agradecimentos ao senhor conde e sua família, ao som harmonioso da banda deixaram a Fazenda do Gavião tomando os carros da linha férrea, que se estendia até a propriedade, e se dirigiram para o centro de Cantagalo. Foram recebidos pela banda Flor de Maio, pelos alunos dos colégios Barros e N. S. das Dores e por muitos cantagalenses. O Padre Reitor José Madureira foi saudado por uma menina do N.S. das Dores que discursou cumprimentando o Colégio Anchieta em nome do povo cantagalense. A este discurso respondeu o Padre Reitor agradecendo o acolhimento do povo de Cantagalo. Formando-se as três divisões foram visitar a igreja Matriz e depois a praça onde as bandas do Anchieta e Flor de Maio tocaram retraites (retretas). A seguir deram uma volta pela cidade e seguiram para a estação.

Ao pararem na estação de trem em Cordeiro ouviram o espoucar de bombas e foguetes onde era reservada uma manifestação de homenagem ao Colégio Anchieta. Uma numerosa multidão cercou o Padre Reitor José Madureira. O sr. Bittencourt, professor do Colégio Brazil proferiu um discurso cumprimentando o colégio em nome da população de Cordeiro. O Padre Reitor respondeu agradecendo a manifestação e terminou erguendo um viva ao povo de Cordeiro. Ao terminar o discurso um grupo de senhoritas cobriu de flores o Padre Madureira. Os alunos ficavam impressionados com estas manifestações e sentiam-se verdadeiras celebridades. Passava pouco mais das 5 horas quando chegaram a Nova Friburgo e os padres jesuítas prepararam uma salva de 21 tiros de foguetes quando desembarcaram do trem. Chegando ao colégio descansaram e foram jantar às 6h, assim terminando o grande dia. O Padre Reitor José Madureira telegrafou para os diversos pontos onde estiveram agradecendo em nome do colégio o acolhimento e dando notícias do feliz termo do passeio.

Padre Reitor José M. de Madureira, sentado à esquerda. Acervo Colégio Anchieta
Padre Reitor José M. de Madureira, sentado à esquerda. Acervo Colégio Anchieta

Em 24 setembro de 1914, antes dos exames finais foram a Cordeiro. Uma semana antes não se falava em outra coisa no colégio. Cada qual queria brilhar mais a alvura da farda ou no lustro das botinas. Afinal bateu o sino da madrugada do dia 24, que não desagradou a ninguém. Num fechar de olhos estavam todos vestidos numa presteza tal que nunca se viu em exército algum. Assistiram missa na capela e depois fizeram a refeição comendo pão com manteiga e tomando café. Com a banda do colégio à frente as três divisões desfilaram pela cidade chamando a atenção de curiosos. Desta feita levaram também instrumentos da orquestra do colégio. Quando chegaram à Cooperativa, um trem especial todo enfeitado de galhardetes e papafigo os aguardava. Na frente da locomotiva saudando os Cordeirenses um cartaz com as seguintes palavras: “Salve Cordeiro! 24-09-914”.

Na locomotiva, cartaz saldando Cordeiro. Acervo Colégio Anchieta
Na locomotiva, cartaz saldando Cordeiro. Acervo Colégio Anchieta

Depois do embarque efetuado com ordem, o trem pôs-se em marcha ao som da banda e estampidos dos foguetes. Se dirigiam inicialmente a Fazenda de São Francisco do sr. Cabral, que cedeu sua propriedade para o convescote do colégio. O trem especial fez uma parada em Bom Jardim, passando rapidamente pelas outras estações, chamando sempre a atenção dos transeuntes pela algazarra festiva da petizada. De vez em quando o Dr. Honório, que acompanhava os padres professores vinha animar a garotada distribuindo cigarros “a mão cheia”. Sobre esta questão do fumo era comum serem distribuídos aos meninos, provavelmente somente aos maiores, nos passeios. Curiosamente na relação de donativos para a Santa Casa de Misericórdia de Nova Friburgo, uma das doações era o fumo para os pacientes.

Chegaram a Fazenda de São Francisco às 10h da manhã e os estômagos já reclamavam por uma refeição. No cardápio arroz, feijão, galinha, peru, língua de vaca, carne de porco, batatas, pasteis, pão e como sobremesa laranjas, cerveja, doces, bolos e outras guloseimas. O sr. Cabral pôs à disposição dos alunos um canjirão de caldo de cana, mas não puderam beber à vontade porque o Padre Reitor José Madureira temia um “desastre”, ou seja, uma diarreia geral. Quando acabou o almoço voltaram para o trem rumo à estação de Cordeiro. Ali foram recebidos com rugir de foguetes, o estrondo de salvas ao som da banda local e chuvas de flores das alunas colégio N. S. das Dores, de Cantagalo, e de outras escolas.

Ano de 1916. Orquestra dos alunos. Acervo Colégio Anchieta.
Ano de 1916. Orquestra dos alunos. Acervo Colégio Anchieta.

Depois do desembarque os alunos dividiram-se. A banda e os componentes da orquestra dirigiram-se para o salão do Clube Recreativo a fim de efetuar um entretenimento musical aos Cordeirenses. No clube, após as boas-vindas executou-se variadas peças pela banda e pela orquestra dos alunos do Anchieta. Enquanto este evento se passava no salão do Clube Recreativo, o outro grupo de alunos foi visitar a Matriz de Cordeiro, e daí se dirigiram ao campo do Tiro Brasileiro de Cordeiro para um match de football, entre as equipes do Anchieta e de Cordeiro. Uma grande multidão foi assistir a esta partida. No entanto, a arquibancada foi se esvaziando na medida em que os alunos do Anchieta davam uma goleada no time da cidade. Cumpre destacar que o futebol foi introduzido no Colégio Anchieta uma década antes da formação dos primeiros clubes deste esporte em Nova Friburgo. Os campeonatos de futebol eram frequentes entre os alunos das três divisões do colégio. Terminado o jogo, os alunos ficaram flanando pela estação à espera do outro grupo, enquanto ouviam a banda de Cantagalo chupando roletes de cana.

Passeio a Cordeiro em 1914. Acervo Colégio Anchieta
Passeio a Cordeiro em 1914. Acervo Colégio Anchieta

Às 4h da tarde se amontoou na gare o escol da sociedade Cordeirense. Houve trocas de discursos afáveis entre o Padre Reitor José Madureira e as autoridades Cordeirenses. Depois das cortesias entre ambas as partes, o trem especial pôs-se em marcha rumo a Nova Friburgo entre aclamações da multidão e o espoucar dos foguetes. No trajeto de volta comeram pão com carne e ovos cozidos servidos pelos irmãos coadjutores. Às 6:00h da tarde o trem chegou em Friburgo e depois do jantar e chá foram dormir. A Gazeta de Cordeiro em uma reportagem sobre este passeio chamou os alunos do Anchieta de “um campo de alvos lírios ou um bando de brancas pombas.” Receberam o seguinte telegrama de Cordeiro: “Povo Cordeiro extremamente sensibilizado elevada honra que lhe foi concedida pelo Colégio Anchieta mais alto padrão glória instrução fluminense deseja que alunos e ilustre comitiva tivessem feliz viagem regresso a Friburgo. Fazendo votos crescentes prosperidades colégio pede desculpa modesto acolhimento dispensado dignos hóspedes. Diógenes Marchon”. Fé, ciência e uma vida divertida no Colégio Anchieta.

– Fontes extraídas de artigos do jornal Aurora Colegial. Acervo do Colégio Anchieta.


Janaína Botelho – Serra News

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