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Gastronomia francesa em Nova Friburgo

Nova Friburgo no final do século 19 recebia muitos cariocas que fugiam das epidemias de febre amarela que grassavam desde 1849, no Rio de Janeiro. Estes veranistas permaneciam seis meses no município, de novembro a maio, até que cessasse a canícula. As soirées eram muito comuns nos hotéis da cidade como o Salusse, Central, Engert e Leuenroth, durante o verão. Em razão destes eventos sociais havia casas comerciais que vendiam produtos importados da Europa para atender aos estabelecimentos hoteleiros e aos turistas que alugavam residências por temporada. A elite brasileira costumava servir em seus encontros sociais, como soirées e casamentos, pratos da gastronomia francesa, acompanhados de bebidas originárias da França.

Na Praça Marcílio Dias a boulangerie de Felix Besnard vendia montées pour banquets. Acervo internet
Na Praça Marcílio Dias a boulangerie de Felix Besnard vendia montées pour banquets. Acervo internet

Fiz um levantamento do que vendia este sofisticado comércio de importados de Nova Friburgo através dos anúncios do jornal O Friburguense no final do século 19. Na internet localizei quase todos estes produtos e seguem no corpo do artigo algumas imagens. Cumpre destacar que a embalagem deles evidentemente é diferente do passado. Na Praça Marcílio Dias existia um estabelecimento comercial que era uma mistura de boulangerie e pâtisserie française, de propriedade de Felix Besnard. O estabelecimento vendia boudin, saucisse(salcicha), crépinettes, pâte d’Italie(massa), pâté(patê) de foie de canard, pâté de Pithiviers, pâté de Ruffec, galantine truffée(gelatina de trufas), rillettes de Tours, tripés à la mode de Caen(dobradinha), saucisson(salsichão) d’Arles, saucisson d’Lyon, jambon(presunto) de Westphalie, jambon de York, langues fourrées(um biscoito doce recheado com forma de língua), glaces(sorvetes) et montées pour banquets. Este último seria uma torre em forma de cone com acepipes que poderia conter variados tipos de queijos ou charcuterie, nossos frios ou embutidos, preparado para banquetes.

A Guarany Store vendia muitos produtos importados da Suíça. Acervo Castro
A Guarany Store vendia muitos produtos importados da Suíça. Acervo Castro

Na Guarany Store localizada na atual Praça Dermeval Barbosa Moreira, ao lado do shopping Wilissau, vendiam-se bombons finos em vidros importados da Suíça, variado sortimento de chocolat Suchard à la vanille, biscuits Suchard (trata-se da Nestlé que na Suíça utiliza a marca Suchard), cacao soluble, diablotin à la vanille,  mandarines(mexerica), cartons de bolons à la creme, petites croquettés santé et de vanille. O chocolate em pó para ser misturado ao leite era um luxo e novidade da época. Diablotin à la vanille na minha interpretação era um bolo ou torta tão delicioso que seria uma espécie de “tentação do diabo”.

As deliciosas crépinettes. Acervo internet
As deliciosas crépinettes. Acervo internet

Na Casa Sá igualmente se encontravam gêneros importados de qualidade e hors-d’oeuvre (pratos de entrada). Na confeitaria de Frieda Huttig localizada na Gal. Osório havia variado sortimento de pudins, pão-de-ló, biscoitos, bolos, balas e pratos frios como saladas, mayonnaise, entre outros acepipes. Eram igualmente bem afreguesadas as casas que vendiam linguiças, salpicões, morcelas, salames, fiambres, ameixas francesas, tâmaras, uvas-passas, abricot cristalizado, amêndoas de Lisboa, nozes e açúcar branco, este último uma raridade na época. No setor de bebidas havia as cervejas Franziskaner pilsen e a inglesa preta. O friburguense abastado poderia ter à mesa vinhos de Bordeaux, champanhe Veuve Clicquot e águas de Vichy.

Conde e a condessa de São Clemente. Acervo internet
Conde e a condessa de São Clemente. Acervo internet

O jornal francês “Messager du Brèsil” de primeiro de novembro de 1883, impresso no Rio de Janeiro, descreve a cerimônia de casamento de Alice Clemente Pinto com Rodolpho Epifânio de Sousa Dantas, realizado em 27 de outubro de 1883. Alice era neta do primeiro Barão de Nova Friburgo, filha de Antônio Clemente Pinto Filho, Conde de São Clemente e da Condessa Maria José Rodrigues Fernandes Chaves Pinto. O ofício religioso e o almoço  foram realizados no palacete Nova Friburgo(hoje Museu da República) onde foi servido o seguinte menu: Beurre, radis, anchois, saumon et olives, oeufs brouillés aux truffes, poisin tune tanque (sic) de crevettes Pompadour, cotelettes d’agneau Dusmesml, suprème de volaille petis-pois, galantine et faisans à la votière, jambon d’York décoré, pâté de Pithiviers volant, mayonnaise de hornards(sic) à la gelée, dindonneau truffé, salade russe, rost beef, fonds d’artichauts à la moëlle, croutes à la Richelieu, gelée au marasquin, fromage panaché, nougät gateau de noce, Château des Chantelles. Boissons, Madère(Madeira), Château d’Yquem, Lur Saluce, Brown Cantenac, Chambertin, Château Laffitte, Louis Roederer glacé(gelado), Veuve Clicquot, Porto vieux (Porto envelhecido), Constance e Tokay. O menu foi impresso em um leque de cetim branco com as iniciais dos noivos e distribuído para as senhoras. Já para os senhores cavalheiros o menu foi impresso em uma carteira em cetim branco cartonado.

Patê de Pithiviers, uma massa recheada com carne. Acervo internet
Patê de Pithiviers, uma massa recheada com carne. Acervo internet

Fiz a tradução deste cardápio que consistia em manteiga, rabanete, anchova, salmão com  azeitonas, ovos mexidos com trufas, peixe guarnecido com camarões à moda Pompadour, costeleta de cordeiro Dusmesml, supremo de voilaille com ervilhas, galantine e faisão à la votière, presunto de York, patê de Pithiviers, maionese de lagostim com geleia, peru com trufas, salada russa, rosbife, coração de alcachofra, massa folhada à la Richelieu, geleia de marasquino, diversos tipos de queijos, torta de nozes e uma sobremesa típica do Château des Chantelles. Alguns donos de castelos na França editam livros de receitas com pratos típicos de suas propriedades. Lembrando que o creme de leite chantilly foi criado no Château de Chantilly.

Hotel Central anexo ao Instituto Sanitário Hidroterápico. Acervo C.N. S. das Dores
Hotel Central anexo ao Instituto Sanitário Hidroterápico. Acervo C.N. S. das Dores

A europeização da sociedade friburguense pode ser medida na descrição de um bufê por ocasião da festa de reinauguração do Instituto Sanitário Hidroterápico, ocorrido no Hotel Central(atual C.N.das Dores). De acordo com o jornal O Friburguense, de 27 de dezembro de 1891, a festa teve início às 18h sendo servido um “delicado menu” composto de hors-d’oeuvre d’offre assortie(entradas variadas), potage(sopa), hors-d’oeuvre de cuisine, petites bouchées à la purée de perdiz, Poisson(peixe) fin à la Genoise, pommes[de terre] à l’anglaise(batatas a moda inglesa), emincé d’agneau(cordeiro fatiado), des aspics de foie gras, jambon(presunto) de York, grand punch à la Theodoro (médico proprietário do Instituto Sanitário Hidroterápico), dinde farcie à la Brèsilienne(peru recheado à moda brasileira),  roast-beef a l’anglaise, gâteau(bolo) à la Reine, salade de fruits, café moka e liqueus assortie (licores variados). Nas bebidas vinho madeira medoc, château palugyay, château la rose, clarete, champagne, porto. O salão do hotel Central estava ricamente mobiliado com móveis austríacos e serviço de mesa com os mais finos cristais e porcelanas.

Na vida cotidiana as elites comiam farinha de mandioca, arroz, feijão, carne de porco, frango, legumes e hortaliças variadas. A partir da chegada da corte portuguesa no Rio de Janeiro se inicia um processo de europeização no modo de vida destas elites. Os cariocas ao fixarem residência por muitos meses em Nova Friburgo trouxeram consigo formas de sociabilidade europeizadas para a pacata vila serrana. O estilo de vida europeu estava associado a civilização, e por isto reproduziam este comportamento.


Janaína Botelho – Serra News

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