A história do Engenho Central Laranjeiras tem início em Cantagalo envolvendo as duas famílias mais ricas do município, os Clemente Pinto e os Moraes. Estas famílias associadas a outras resolvem estabelecer um engenho que centralizasse a industrialização de toda cana-de-açúcar cultivada na região. Por volta de 1884 foi criada a Companhia Engenho Central Rio Negro. O projeto inicial era na Fazenda Boa Fé, às margens do Rio Negro, em função da linha férrea Leopoldina. Mas depois de aberta a empresa optou-se pela Fazenda das Laranjeiras, no vale do Ribeirão das Areias, permanecendo o nome Rio Negro. A Fazenda das Laranjeiras, em Cantagalo, pertencia ao Conde de Nova Friburgo, por herança recebida de seu pai, o primeiro Barão de Nova Friburgo. Sua extensão era de aproximadamente 500 alqueires sendo parte cultivada, parte em matas e capoeiras, com casa de vivenda, duas grandes senzalas para 122 escravos e muitas benfeitorias e engenhos. Esclareço que no passado a palavra engenho tanto podia ser sinônimo de maquinário, como o local onde se beneficiava a cana. Era uma fazenda de cultivo de café, com duzentos e noventa mil arbustos e de cana-de-açúcar, com três e meio alqueires de canavial.
É bem provável que o Conde de Nova Friburgo tivesse desmembrado a Fazenda das Laranjeiras e reservado apenas alguns alqueires para integrar o patrimônio da companhia. A empresa tinha como acionistas o Conde de Nova Friburgo, o seu irmão Conde de São Clemente, José Clemente Pinto, Elias Antônio de Moraes, tenente coronel Vicente Ferreira de Moraes, Basilia Rodrigues de Moraes, Felizarda Lopes de Moraes, João Moraes Martins, Jacob van Erven, Galdino Antônio do Valle, Carlos Magno do Valle, o comendador José Alves Pereira, o capitão Alberto Augusto Belliene, o tenente coronel José Lourenço Bellieni, Philippe Aristisdes Caire, Joaquim Marques da Cruz, Paulino Tinoco & Cia, João Damasceno Pinto de Mendonça, Henriques Costa Reis & Cia, Luiz Francisco de Paula, Antônio Egydio Gomes e Domingos Pereira de Lemos. Os maiores acionistas eram Elias Antônio de Moraes, o segundo barão de Duas Barras e Basilia Rodrigues de Moraes. De acordo com o Almanak Lammert Galdino do Valle era presidente e Antônio Van Erven o tesoureiro.
Tudo indica que o prédio principal construído na Fazenda das Laranjeiras tivesse a assessoria de ingleses, pois a sua fachada se assemelha muito às indústrias anglo-saxônicas. Foi importado moderno maquinário da Inglaterra e da França. A matéria-prima, ou seja, a cana-de-açúcar seria fornecida não somente pelas plantações da Fazenda das Laranjeiras, mas igualmente de propriedades da região serrana e noroeste fluminense. No entanto, antes mesmo de completar seis anos de fundação, a Companhia Engenho Central Rio Negro começa a enfrentar dificuldades financeiras. Em 19 de março de 1889, a diretoria reunida com a assembleia geral dos acionistas deliberou o pedido de liquidação judicial forçada da companhia por se achar em estado de insolubilidade.
No processo judicial podemos conhecer, através do inventário, toda a sua estrutura. Fazia parte de seu patrimônio o edifício principal de alvenaria de tijolo e cobertura metálica com área de construção de 2.169m², uma imensa chaminé de tijolo, moendas a vapor, ralos para coar a garapa, esteiras condutivas de canas e bagaços, um aparelho para análise de açúcar, um aparelho com sistema para processar 20.000 litros de caldo fermentado em 24 horas, oito tonéis de madeira, duas tinas para mistura de melado, dez tinas para fermentação, caldeiras, entre muitos outros maquinários. É importante assinalar o seu patrimônio ferroviário. Possuía uma locomotiva do tipo Mogul Baldwin, uma locomotiva do tipo double ender Baldwin e um carro misto com divisões para passageiros de primeira e segunda classe. Com relação a linha férrea possuía aproximadamente 30.706 metros, parte em desvios para Macaé e Campos, 1.074 metros no entorno do engenho até o cruzamento com a linha Macaé e Campos e um sistema de via férrea decauville.
A Companhia Engenho Central Rio Negro foi adquirida em 1896 pelo engenheiro Luiz Corrêa da Rocha, fazendeiro de cabedais que tinha sua base política e econômica onde hoje é o município de Bom Jardim. Produzia o café Luco, onde “Lu” é de Luiz e “Co” de Corrêa. A região onde se situa a Companhia Engenho Central Rio Negro se desmembra em 1891 de Cantagalo e passa a ser distrito do recém-criado município de Itaocara. Décadas depois altera sua denominação de Laranjeiras para Laranjais. Corrêa da Rocha muda a razão social para Engenho Central Laranjeiras contratando um grande mestre de açúcar de Campos, Henrique Laranja, que desenvolveu um açúcar claro, cristalizado e com granulação uniforme. Até então, a maioria dos engenhos produzia açúcar mascavo. O sucessor de Corrêa da Rocha na administração do engenho foi o seu único filho homem Péricles Corrêa da Rocha, que por razões políticas acabou se exilando em Itaocara. Advogado, prefeito duas vezes em Bom Jardim, deputado estadual e federal foi cassado na Revolução de 30 e a partir de então teve sua carreira política encerrada. Voltou-se assim para a administração do Engenho Central Laranjeiras colocando a empresa como uma das mais importantes usinas de beneficiamento de cana do país.
Péricles substituiu as moendas primitivas importando outras mais modernas dos Estados Unidos, aumentou também a quantidade delas expandindo a moagem de cana. O engenho adquiria a cana de terceiros in natura, na forma de melaço ou de rapadura. Muitos fornecedores preferiam vender a matéria-prima em forma de melaço ou de rapadura devido ao custo do transporte. Ao invés de dar várias viagens em carro de boi para entregar a cana ao engenho, davam-se menos viagens para entregar o melaço e a rapadura. Como os fornecedores deixavam muitas vezes o engenho sem matéria-prima, Péricles adquiriu as fazendas Boa Fé, Panorama, Monte Claro, Retiro, Bonfim, Monte Claro, Santa Bárbara para aumentar o plantio de cana própria. Investiu ainda na linha férrea conectada a Cia. Leopoldina até Valão do Barro, distrito de São Sebastião do Alto, para negociar com os agricultores de lavouras mais distantes, nos informa Marcelo Graça, atual proprietário do engenho.
Além de ampliar a produção do engenho diversificou os seus produtos passando a produzir não somente açúcar, mas também éter e álcool farmacêutico. O Engenho Central Laranjeiras chegou a ter 1.500 funcionários, além de empregos indiretos. Para tanto foi criada uma infraestrutura no entorno do prédio central com a construção de um “correr de casas” em diversas ruas para habitação dos seus funcionários. Estabeleceu um grande armazém, uma farmácia e um hospital com 22 leitos para dar assistência médica gratuita aos empregados e suas famílias. O armazém vendia mantimentos aos funcionários produzidos nas fazendas da empresa, criava-se gado bovino para corte e produção de leite e havia uma imensa criação de porcos em chiqueiros comuns e de alvenaria, uma novidade na época. A sociabilidade dos funcionários não foi esquecida. Havia um cinema e um clube social para os bailes tendo sido formada uma banda de música composta pelos funcionários do engenho. Aqui vale uma observação de que havia dois salões de baile, um para os brancos e outro para os negros. Mas esta era uma prática geral em todo o país, a divisão de espaços de sociabilidade em função da etnia e classe social.
A autossuficiência do engenho era tamanha que além de confeccionarem o saco de embalagem do açúcar, o algodão do tecido era plantado em suas propriedades. A maior originalidade foi a emissão de uma moeda própria, para circulação interna em Laranjais, que denominavam de “dinheiro próprio”. Pagavam os funcionários com esta moeda, que poderia ser trocada no escritório da empresa pelo dinheiro convencional. Com esta moeda compravam mantimentos no armazém do engenho que era muito bem abastecido. A prosperidade do engenho atraiu famílias de negociantes libaneses a exemplo dos Elias, Sarruf, Nacif e Nagib, que instalaram comércio em Laranjais. Afinal, todos queriam vender para os funcionários do engenho. No município de Bom Jardim, aproveitando o excedente do açúcar que produzia e não vendia, Péricles montou uma fábrica de balas, a Busi.
Péricles Corrêa da Rocha administrou o Engenho Central Laranjeiras no período de 1930 a 1956. O seu sobrinho Álvaro Luiz Corrêa Graça, em sociedade com um primo, em 1958 adquiriu a empresa. Era a quarta fase da gestão do engenho. Mas os tempos eram outros e havia uma crise do setor açucareiro. Segundo Marcelo Graça, filho de Álvaro Graça, o governo militar interferiu na atividade açucareira através do IAA – Instituto do Açúcar e do Álcool – passando a ditar regras. Ainda segundo ele, o governo militar era quem decidia o preço do açúcar deixando de haver o livre comércio e isto acarretou a falência de inúmeras usinas. Quando o Engenho Central Laranjeiras encerrou suas atividades em 1972, já haviam falido muitas usinas em Campos. De acordo com o senhor Álvaro Graça, “por volta de 1965 e 1970 as grandes usinas foram gradativamente indo a leilão e as famílias tradicionais sendo devoradas. Parecia que havia uma intenção política de tirar o Estado do Rio da atividade açucareira.”
Marcelo Graça faz questão de destacar que o Engenho Central não requereu falência, mas tão somente encerrou suas atividades. Nesta ocasião, o engenho moía entre 800 e 1.200 toneladas de cana por dia. Foram três gerações da mesma família que se iniciou com Luiz Corrêa Rocha, originando uma linhagem de usineiros. Fica o registro da velha canção do saudoso engenho cantada por seus funcionários: “Engenho Novo, Engenho Novo, Engenho Novo bota roda pra rodar; capim melado, chip chip, mela mela, eu passei pela capela e vi dois padres a rezar.”
ASSISTA O DOCUMENTÁRIO:
- Janaína Botelho: roteirista, historiadora e professora da UCAM
- Email: [email protected]
- Blog: jbhistoriadora.wixsite.com/janainabotelho
- Instagram: @janainabotelhohistoriadora
- Youtube: Janaína Botelho