Ascensão e decadência: a história do futebol em Nova Friburgo
No decorrer do século 19 os ingleses criam normas para o futebol transformando o que era um simples jogo em esporte, submetido a regras universais. O que fazer com a bola? Na Rugby School, os jogadores carregavam-na com as mãos rumo ao adversário e daí nasce o rugby; já na Eton eram os pés que deviam controlá-la fazendo o dribbling na bola e surge o football. No ano de 1904 a Federal International Football Association (FIFA), profissionaliza este sport. Os ingleses além dos tecidos e das estradas de ferro que exportavam para alguns países levavam no pacote o futebol. Com a presença dos ingleses no Brasil o football ganha adeptos entre a elite brasileira e passa a suplantar o turfe e o ciclismo. Nos jornais as resenhas esportivas eram em inglês como sport, team, match, corner, scratchman, score e club. Mas a bola também chega aos pés das camadas populares que passam a jogar football nos terrenos baldios de seus bairros. Surge o “pega” entre os populares, com chutes fortes, pontapés e corridas loucas atrás da bola. O football vira “pelada”.
Tudo indica que o futebol teve início em Nova Friburgo entre os alunos do Colégio Anchieta. O centro de memória deste colégio tem as bolas e as chuteiras dos primeiros momentos em que começaram a rolar no campo. O jornal A Paz de 07 de dezembro de 1913 noticiou o primeiro clube de futebol em Nova Friburgo, formado por rapazes das “melhores famílias”. Ralim Abud juntamente com os Spinelli, Sertã, Van Erven, Braune, Mastrângelo, entre outros fundaram em 26 de abril de 1914, o Friburgo Football Club adotando as cores vermelho e branco. Os operários das fábricas como não podiam participar do Friburgo Football Club, seleto club da high society friburguense formaram em 05 de dezembro de 1915, o Esperança Futebol Clube. No entanto, quando o Friburgo Football Club passa a aceitar indivíduos das classes populares e negros, um grupo se desliga do clube e forma em 14 de março de 1921 o Fluminense Atlético Clube usando as cores azul e branco. O Fri-Fru era uma partida muito disputada.
Em 1916 há o interessante episódio da formação da equipe de futebol do Sanatório Naval. José Pereira da Costa Filho, o Costinha, que trabalhou na tinturaria na Rendas Arp no período de 1925-1948 traz um interessante relato sobre este time, no qual participou. Durante a Primeira Guerra Mundial(1914-1918) diversos navios alemães da marinha mercante foram detidos nos portos brasileiros. Um dos locais a que se destinou parte destes marinheiros foi o Sanatório Naval, base da Marinha em Nova Friburgo. Costinha na ocasião trabalhava na construção dos alojamentos que abrigariam os prisioneiros alemães no Sanatório Naval. Até a conclusão das obras estes prisioneiros ficavam acampados em barracas e havia um bom relacionamento entre eles, os funcionários do sanatório e os trabalhadores da obra. O bom comportamento dos prisioneiros os autorizava a fazer passeios pela cidade onde por vezes faziam serenatas e se apresentavam em conjuntos musicais tocando músicas típicas. Para passar o tempo jogavam futebol. Foi então que os operários da obra, marinheiros, funcionários do sanatório e fornecedores de alimentos formaram a equipe de futebol do Sanatório Naval para jogar com os prisioneiros alemães. As partidas entre os dois times atraíam muitos friburguenses que iam ao Sanatório Naval assistir as peladas. Quando os alemães foram liberados da detenção a equipe do Sanatório Naval migrou para o Esperança Futebol Clube.
Em 1925 surge o Clube Sírio-Libanês patrocinado por imigrantes libaneses, cujo uniforme era idêntico ao do C.R. Flamengo do Rio de Janeiro. Estas quatro equipes, Friburgo Football Club, Fluminense Atlético Clube, Esperança Futebol Clube e o Clube Sírio-Libanês criaram a Associação Serrana de Esportes Atléticos(ASEA), posteriormente denominada de Liga Friburguense de Desportos fomentando os campeonatos na cidade. Eis a grande largada do futebol friburguense, os campeonatos interclubes, que depois resultaram na participação de campeonatos intermunicipais. No primeiro campeonato interclube, realizado em 1925, quem venceu foi o Fluminense. A rivalidade foi tamanha que no ano seguinte não houve campeonato. Em 1927 voltam os jogos interclubes e o Fluminense é outra vez vencedor. Novamente dois anos sem campeonato devido a dissensões. Somente a partir de 1930 voltam a ocorrer os jogos interclubes na cidade.
O futebol se dissemina e começam a se formar os times de bairro, da segunda divisão. Surgem o Esporte Clube de Santa Luiza, do Cônego; o Esporte Clube São Pedro, de Duas Pedras; o Amparo Futebol Clube; o Futebol Clube Conselheiro Paulino; o Serrano Futebol Clube, de Olaria; o Esporte Clube Vilage; o Esporte Clube Saudade; o Esporte Clube Filó; o Flamenguinho e o América Futebol Clube. Alguns tiveram existência efêmera, a exemplo do Esporte Clube Brasil que durou apenas nove meses. Cumpre destacar que as indústrias do município formavam também o seu time de futebol que participavam anualmente dos Jogos dos Industriários.
Os clubes viviam praticamente com a venda de rifas e alguns possuíam sócios contribuintes, que pagavam uma mensalidade. A partir de década de 1960, o Friburgo Football Club passa a ter sócios-proprietários, que adquiriam título do clube. Mas o que mantinha mesmo os clubes era o mecenato, particulares que doavam dinheiro, bens ou serviços espontaneamente. Foram importantes mecenas do futebol de Nova Friburgo as famílias Guinle, Sertã, Spinelli e Almeida. César Guinle doou uma área onde é hoje o campo do Friburguense Atlético Clube, homenageando o seu pai Eduardo Guinle, com o nome do estádio. César Guinle doou também áreas pertencentes à municipalidade para diversos clubes. A família Sertã doou o terreno do estádio no centro da cidade, atualmente servindo como estacionamento. O deputado Álvaro de Almeida, empresário do ramo de madeiras foi igualmente um mecenas do futebol. Assim como os Spinelli trouxe muitos bons jogadores do interior do estado, empregando-os em sua empresa. O amor a este esporte tinha exemplos surpreendentes como o italiano João Caputo que todos os dias bem cedo partia para o campo do Fluminense molhar a grama. Os jogadores não tinham remuneração fixa recebendo apenas o “bicho”, ou seja, um prêmio de acordo com a renda dos jogos arrecadada pelos clubes. Os cartolas compravam o passe de um jogador doando-lhe por exemplo móveis de casa, um fogão ou uma bicicleta. Mas a moeda mesmo era um emprego. Quando cobiçavam contratar um bom jogador ofereciam-lhe um emprego para jogar no seu time. Valia tudo para se ter um “cobra” no clube. Costinha, anteriormente citado, por ser um “craque” foi convidado para trabalhar na Rendas Arp e fazer parte da equipe de futebol que surgia na ocasião.
O período de 1940 a 1970 foi o auge do futebol em Nova Friburgo, nos informa Rodolfo Abud. Domingo era um dia consagrado ao futebol transformando-se as “belas praças de sports” em espaço de sociabilidade de homens, mulheres e crianças. Os jogos aos domingos iniciavam às 8:00 horas da manhã, jogando as categorias infanto-juvenis. As famílias assistiam aos jogos pela manhã, ao meio-dia iam almoçar em casa e retornavam ao estádio assistindo as partidas até às cinco horas da tarde. Cada um destes clubes possuía quatro categorias, infantil, juvenil, segundo e primeiro quadro. Era um tempo de vidraças quebradas e desespero das donas-de-casa, pois em cada terreno baldio surgia um campo de futebol. Ângelo Ruiz que possui uma detalhada pesquisa sobre a história do futebol em Nova Friburgo nos informa que “os rapazes da cidade logo abraçaram o futebol, pois já estavam fartos de pic-nics, bailes, namoros melosos e outros passatempos da época. Mas as mocinhas casadoiras seguiram-lhes o rastro e passaram a assistir às partidas de futebol”. O “belo sexo” se fez presente tornando-se madrinhas ou rainhas dos clubes. As mulheres foram lembradas no hino do Friburgo Football Club em versos de trova, “As moças todas de improviso, formosas vêm nos ofertar, a flor gentil do seu sorriso, a doce luz do seu olhar”.
Uma determinada situação envolvendo racismo ocorreu com o Esperança. Este clube escolhera inicialmente o nome União e suas cores eram o preto e o branco. Como havia muitos mulatos no time, um árbitro associou as cores preto e branco à mulatice dos jogadores, dizendo: “Preto que quer ser branco, não é nem uma coisa nem outra.” A ironia do árbitro se espalhou pela cidade e passou a ser motivo de galhofa dos adversários. O clube mudou o nome para Esperança Futebol Clube e adotou as cores verde e branca. Foi a Rádio Friburgo que incrementou o futebol na cidade na voz de locutores como Rodolfo Abud, com os programas “Resenha Esportiva” e “Esportes no Ar”. Surge um jornal esportivo na cidade de propriedade de Dante Lívio, mas que circulou por pouco tempo. A famosa vinheta “Brasil-Sil-Sil!” foi criada por um friburguense. O autor dela é o libanês Edmo Zarife(1940-1999) que trabalhou por um período na Rádio Friburgo e depois foi contratado pela Rádio Globo. A vinheta surgiu na época das eliminatórias da Copa do Mundo de 1970. Na ocasião foi solicitado a Edmo Zarife elaborar um grito de guerra para incentivar a Seleção Brasileira. Zarife gravou várias frases e bordões e a direção da rádio ao ouvir “Brasil-Sil-Sil!”, imediatamente a selecionou. Esta vinheta marca até hoje as transmissões esportivas do Sistema Globo de Rádio e da Rede Globo de Televisão e passou pelos jogos da Copa do Mundo por muitas gerações.
Em 1980, o futebol em Nova Friburgo se profissionaliza objetivando participar dos campeonatos nacionais. Em razão disto ocorreu a fusão entre alguns clubes para dar origem ao Friburguense Atlético Clube. A profissionalização lamentavelmente extinguiu os demais clubes de futebol que ficaram desarticulados. De acordo com o memorialista Ângelo Ruiz desaparece a cultura do futebol da cidade, os “clubes da terra”, onde os jogadores saíam das fábricas, do comércio, dos bancos e se transformavam em celebridades na cidade, tendo alguns inclusive “fãs”. Divertimentos inocentes, como a formação de clubes de futebol, reproduzem as relações sociais de uma cidade. É bem provável que a “cidade partida” entre ricos e pobres, negros e brancos fosse um reflexo da sociedade friburguense. Levavam para os clubes de futebol os conflitos de classe e preconceitos, sem qualquer fairplay. Três décadas depois de formados os primeiros clubes, o futebol aproximou a todos, misturando-se raças, derrubando barreiras sociais, reunindo as famílias, atraindo as mulheres e implodindo aquilo que Zuenir Ventura chamou de “cidade partida.”
Fontes: História do Esporte no Brasil, de Mary del Priore de Victor de Andrade Melo; “História do Futebol em Nova Friburgo”, Ângelo Ruiz, Cadernos de Cultura, vol.1, série 6; Arp Notícias, n°122, fevereiro de 1986; entrevista com Rodolfo Abud.
- Janaína Botelho: historiadora e professora da UCAM
- Email: [email protected]
- Blog: jbhistoriadora.wixsite.com/janainabotelho
- Instagram: @janainabotelhohistoriadora
- Youtube: Janaína Botelho